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MENSAGEM EM VÍDEO DO PAPA FRANCISCO
POR OCASIÃO DO ENCONTRO VIRTUAL DOS JUÍZES,
MEMBROS DOS COMITÊS PARA OS DIREITOS SOCIAIS,
DA ÁFRICA E DA AMÉRICA

 [Multimídia]


 

Estimados juízes e juízas dos continentes africano e americano!

É para mim uma alegria partilhar convosco este encontro virtual entre juízes membros das Comissões para os Direitos Sociais.

Num momento tão crítico para toda a humanidade, é sem dúvida uma excelente notícia saber que mulheres e homens que trabalham para promover a justiça se reuniram para reconsiderar o seu trabalho e construir uma nova justiça social.

Acho que para construir, para analisar a ideia de justiça social a partir de uma revisão conceitual completa, é essencial recorrer a outro conjunto de ideias e situações que, na minha opinião, constituem os alicerces sobre os quais ela deveria apoiar-se.

A primeira tem a ver com a dimensão da realidade. As ideias que certamente abordareis não deveriam perder de vista o quadro angustiante em que uma pequena parte da humanidade vive na opulência, enquanto aumenta o número de pessoas às quais não é reconhecida a sua dignidade e os seus direitos humanos mais básicos são ignorados ou violados. Não podemos pensar desligados da realidade. E esta é uma realidade que deveis ter presente.

A segunda remete-nos para os modos como se gera a justiça.  Penso numa obra coletiva, num trabalho de conjunto, onde todas as pessoas de boa vontade desafiam a utopia e admitem que, como o bem e o amor, também a justiça é uma tarefa que deve ser conquistada todos os dias, pois o desequilíbrio é uma tentação de cada momento. Portanto, cada dia é uma conquista!

Mas não se trata apenas de se reunir para modelar esta nova justiça social. É também necessário fazê-lo com uma atitude de compromisso,  seguindo o caminho do bom Samaritano.  E este é o terceiro paradigma que se deve ter em mente, reconhecendo a tentação tão frequente de se desinteressar dos outros, especialmente dos mais fracos. Devemos admitir que nos habituamos a seguir em frente, a ignorar as situações, enquanto elas não nos atingem diretamente. O compromisso incondicional consiste em assumir a dor do outro, e não em cair numa cultura da indiferença. É tão comum olhar para o outro lado!

Não posso deixar de mencionar, como parte fundamental desta construção da justiça social, a ideia da história  como eixo principal. E esta é a quarta reflexão obrigatória para quantos tencionam construir uma nova justiça social para o nosso planeta, sequioso de dignidade: acrescentar à abordagem a perspetiva do passado, ou seja, histórica, uma reflexão histórica. Ali há lutas, triunfos e derrotas. Há o sangue daqueles que deram a vida por uma humanidade plena e integrada. No passado encontram-se as raízes das experiências, até as raízes da justiça social que hoje queremos reconsiderar, fazer crescer e fortalecer.

E é muito difícil poder construir a justiça social, sem se basear no povo. Ou seja, a história leva-nos ao povo, aos povos. Será uma tarefa muito mais fácil, se introduzirmos o desejo livre, puro e simples de ser povo, sem pretender ser elite iluminada, mas sim povo, mostrando-nos constantes e incansáveis no trabalho de incluir, integrar e erguer quantos caíram. O povo  é a quinta base para a construção da justiça social. E, a partir do Evangelho, o que Deus nos pede, a nós crentes, é que sejamos povo de Deus, não elite de Deus. Pois aqueles que seguem o caminho da “elite de Deus” acabam nos conhecidos clericalismos elitistas que, em geral, trabalham pelo povo, mas nada fazem com o povo, não se sentem um povo.

Por fim, no momento de reconsiderar a ideia de justiça social, sugiro-vos que o façais demonstrando-vos solidários e justos.  Solidários, lutando contra as causas estruturais da pobreza, da desigualdade, da falta de trabalho, de terra e de habitação. Terra, teto e trabalho, techo, tierra y trabajo, os três “Tês” que nos consagram dignos. Em síntese, lutando contra aqueles que negam os direitos sociais e laborais. Lutando contra a cultura que leva a usar os outros, a escravizar o próximo, e acaba por tirar a dignidade dos outros. Não vos esqueçais que, entendida no seu sentido mais profundo, a solidariedade é um modo de fazer história.

Justos são aqueles que fazem justiça. Justos, cientes de que quando, recorrendo à lei, damos aos pobres o que lhes é indispensável, não lhes damos o que é nosso, nem de terceiros, mas restituímos-lhes o que é deles. Muitas vezes ignoramos a ideia de devolver o que lhes pertence.

Construamos a nova justiça social, admitindo que a tradição cristã nunca reconheceu como absoluto e intocável o direito à propriedade particular, realçando sempre a função social de cada uma das suas formas.

O direito à propriedade é um direito natural secundário, derivado do direito que todos têm, nascido do destino universal dos bens da criação. Não há justiça social que se possa consolidar sobre a iniquidade, que implique a concentração da riqueza.

Estimados juízes, desejo-vos um excelente dia de reflexão. Espero também que tudo o que construirdes sobre a justiça social seja mais do que mera teoria, mas sim uma nova e urgente prática judiciária que, num futuro muito próximo, contribua para fazer com que a humanidade possa integrar-se na plenitude e na paz.

Desejo-vos o melhor. Deus vos abençoe!

 



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