ENCONTRO DO PAPA FRANCISCO
COM OS JOVENS ITALIANOS EM VISTA DO SÍNODO
Roma - Circo Máximo
Sábado, 11 de agosto de 2018
1ª Pergunta:
Letizia, 23 anos, e Lucamatteo, 21 anos, expressaram dois aspetos da mesma busca: a que se refere à construção da identidade pessoal e dos sonhos. A jovem, estudante universitária, recordou que quando teve de escolher o que fazer no fim dos estudos superiores, pediu o parecer do professor de arte, que na opinião dela ensinava as coisas mais apaixonantes. Disse-lhe que queria ser como ele, mas que lhe disseram que agora o tempo mudou, havia a crise e não teria encontrado trabalho: era melhor que estudasse economia. Isto originou uma grande desilusão: Letizia sentiu-se atraiçoada, mas no final escolheu o seu caminho e agora estuda arte, além de ser educadora num oratório paroquial. Precisamente assim se fortaleceram nela a consciência da sua escolha e o compromisso formativo em relação às moças mais jovens do seu grupo. Lucamatteo, ao contrário, referiu-se ao futuro que os jovens estão habituados a imaginar pintado com cores escuras, ameaçadoras, ou semelhante a um diapositivo branco, onde não há nada. Com efeito, explicou, normalmente eles partem de um grande projeto, do qual depois, com desgosto, têm que tirar algum detalhe, com o resultado que os sonhos, por receio dos outros e do seu julgamento, acabam por ser mais pequenos do que eram no início.
Papa Francisco: Boa tarde. Digo-vos a verdade: eu conhecia as perguntas e fiz um esboço de resposta, mas acrescentaria também — depois de vos ouvir — espontaneamente alguma coisa. Pois o modo como formulastes as perguntas vai além do que está escrito.
Tu, Letizia, disseste uma coisa muito importante, que é “o sonho”. E vós dois dissestes outra muito importante: “medo”. Estas duas palavras iluminam-nos um pouco.
Os sonhos são importantes. Mantêm o nosso olhar alargado, ajudam-nos a abraçar o horizonte, a cultivar a esperança em cada ação diária. E os sonhos dos jovens são os mais importantes de todos. Um jovem que não sabe sonhar é um jovem anestesiado; não poderá compreender a vida, a força da vida. Os sonhos acordam-te, levam-te além, são as estrelas mais luminosas, as que indicam um caminho diverso para a humanidade. Eis, queridos jovens, vós tendes no coração estas estrelas brilhantes que são os vossos sonhos: são a vossa responsabilidade e o vosso tesouro. Fazei com que sejam também o vosso futuro! E é este o trabalho que deveis fazer: transformar os sonhos de hoje na realidade do futuro, e para isto é preciso coragem, como ouvimos dos dois [jovens]. À moça diziam: «Não, não, estuda economia porque com isso morrerás de fome», e ao jovem que «sim, o projeto é bom mas tiremos este aspeto e esse e aquele outro...», e no final não ficou nada. Não! Levar por diante com coragem, a coragem face às resistências, às dificuldades, a tudo o que faz com que os nossos sonhos sejam cancelados.
Sem dúvida, é preciso fazer crescer os sonhos, purificá-los, pô-los à prova e também partilhá-los. Mas alguma vez vos perguntastes de onde provêm os vossos sonhos? Os meus sonhos, de onde vêm? Surgiram vendo a televisão? Ouvindo um amigo? Sonhando de olhos abertos? São sonhos grandes ou pequenos, insignificantes, que se contentam com o menos possível? Os sonhos da comodidade, os sonhos unicamente do bem-estar: «Não, não, eu estou bem assim, não vou mais adiante». Mas estes sonhos far-te-ão morrer, na vida! Farão com que a tua vida não seja grandiosa! Os sonhos da tranquilidade, os sonhos que adormecem os jovens e fazem com que um jovem corajoso se torne um jovem de sofá. É triste ver os jovens no sofá, olhando para a vida que passa à sua frente. Os jovens — disse isto outras vezes — sem sonhos, que se reformam aos 20, 22 anos: isto não é bom, um jovem na reforma! Ao contrário, o jovem que sonha grande vai em frente, não se reforma cedo. Entendestes? Assim, os jovens.
E a Bíblia diz-nos que os sonhos grandes são capazes de ser fecundos: os sonhos grandes são os que dão fecundidade, são capazes de semear paz, de semear fraternidade, de semear alegria, como hoje; eis que estes são sonhos grandes porque pensam em todos com o nós. Certa vez, um sacerdote perguntou-me: «Diga-me, qual é o contrário de “eu”?». E eu, ingénuo, caí na armadilha e respondi: «O contrário de eu é “tu”» — «Não, Padre: esta é a semente da guerra. O contrário de “eu” é “nós”. Se eu disser: o contrário és tu, faço a guerra; se eu disser que o contrário do egoísmo é “nós”, edifico a paz, a comunidade, levo por diante os sonhos da amizade, da paz. Refleti: os verdadeiros sonhos são do “nós”. Os sonhos grandes incluem, associam, são extrovertidos, partilham, geram vida nova. E os sonhos grandes, para que sejam tais, precisam de uma fonte inexaurível de esperança, de um Infinito que sopra dentro e os dilata. Os sonhos grandes precisam de Deus para não se tornarem miragens nem delírio de omnipotência. Tu podes sonhar grande, mas sozinho é perigoso, porque podes cair no delírio de omnipotência. Mas com Deus não tenhas receio: vai em frente. Sonha grande.
E depois, a palavra que usastes: “medo”. Sabeis? Os sonhos dos jovens causam um pouco de medo aos adultos. Causam medo, porque quando um jovem sonha vai longe. Talvez porque eles já não sonham nem arriscam. Muitas vezes a vida faz com que os adultos deixem de sonhar, deixem de arriscar; talvez porque os vossos sonhos desestabilizem as suas escolhas de vida, sonhos que vos levam a fazer censura, a criticá-los. Mas não deixeis que roubem os vossos sonhos. Há um jovem, aqui na Itália, tem uns vinte, vinte e dois anos, que começou a sonhar e a sonhar grande. E o seu pai, um importante homem de negócios, procurou convencê-lo e ele: «Não, eu quero sonhar. Sonho o que sinto dentro». E no final, foi-se embora, para sonhar. E o pai seguiu-o. E aquele jovem refugiou-se no paço episcopal, despojou-se e entregou as vestes ao pai: «Deixa-me ir pelo meu caminho». Este jovem, um italiano do século XIII, chamava-se Francisco e mudou a história da Itália. Francisco arriscou para sonhar grande: não conhecia as fronteiras e terminou a vida sonhando. Pensemos: era um jovem como nós. Mas como sonhava! Diziam que era louco porque sonhava assim. E praticou tanto bem e continua a fazê-lo. Os jovens assustam um pouco os adultos porque os adultos deixaram de sonhar, deixaram de arriscar, acomodaram-se. Mas, como vos disse, não deixeis que roubem os vossos sonhos. «E como faço, Padre, para não deixar que roubem os sonhos?». Procurai mestres bons capazes de vos ajudarem a compreendê-los e a torná-los concretos gradualmente e na serenidade. Sede por vossa vez mestres bons, mestres de esperança e de confiança para as novas gerações que vos seguem. «Mas, como, posso tornar-me mestre?». Sim, um jovem que é capaz de sonhar, torna-se mestre, com o testemunho. Pois é um testemunho que desperta, que faz mover os corações e mostra ideais que a vida diária encobre. Não deixeis de sonhar e sede mestres no sonho. O sonho é uma grande força. «Padre, onde posso comprar os comprimidos que me farão sonhar?». Não, isso não! Eles não te fazem sonhar: adormecem-te o coração! Queimam-te os neurónios. Arruínam-te a vida. «E onde posso comprar os sonhos?». Os sonhos não se compram. Os sonhos são um dom, uma dádiva de Deus, um dom que Deus semeia nos vossos corações. Os sonhos são-nos dados gratuitamente, mas para que também nós os demos gratuitamente aos outros. Oferecei os vossos sonhos: ninguém, recebendo-os, vos fará empobrecer. Oferecei-os gratuitamente aos outros.
Queridos jovens: “não” ao medo. Aquilo que te disse um professor! Ter medo? Claro, talvez ele tivesse medo; mas tinha tudo organizado, estava tranquilo. Mas por que não queria que uma moça fosse pelo seu caminho? Assustou-te. E que te disse?». «Estuda economia: ganharás mais». Esta é uma cilada, a cilada do possuir, do acomodar-se no bem-estar e não ser um peregrino pelo caminho dos nossos sonhos. Rapazes e moças, sede peregrinos pelo caminho dos vossos sonhos. Arriscai por aquele caminho: não tenhais medo. Arriscai porque sereis vós a realizar os vossos sonhos, porque a vida não é uma lotaria: a vida realiza-se. E todos nós temos a capacidade do o fazer.
O Santo Papa João XXIII dizia: «Nunca conheci um pessimista que tenha concluído bem alguma coisa» (Entrevista de Sergio Zavoli a mons. Capovilla em Jesus, n. 6, 2000). Devemos aprender isto, porque nos ajudará na vida. O pessimismo deprime-te, não te deixa fazer nada. E o medo torna-te pessimista. Nenhum pessimismo. Arriscar, sonhar e em frente.
2ª Pergunta: A segunda pergunta foi formulada por Martina, 24 anos, e referiu-se ao discernimento na vida e à ideia de compromisso e responsabilidade em relação ao mundo. A jovem sente dificuldade em se comprometer numa relação de amor que requer responsabilidade por toda a vida, mas no fundo sente muito forte a vontade de se engajar no projeto de construir desde já uma vida juntamente com o seu namorado. Então questionou-se por que o interesse de estabelecer relações autênticas, o sonho de formar uma família, são considerados menos importantes que outros e, segundo os adultos, devem ser subordinados a seguir uma realização profissional. Ao contrário, observou, há necessidade de educadores que recordem como é belo sonhar a dois; de adultos que ensinem aos jovens a paciência de estar ao lado, que os ouçam profundamente e sejam autênticos pontos de referência.
Papa Francisco: A Martina é corajosa, não é? Abala a nossa estabilidade, e fala também com ardor! Eu gostaria de lhe perguntar se é porventura parente de São João Crisóstomo, devido ao modo como fala, tão forte, com tanto vigor! Escolher, poder decidir acerca de si parece ser a expressão mais alta de liberdade. Escolher e poder decidir por si. E num certo sentido é assim. Mas a ideia de escolha que hoje respiramos é uma ideia de liberdade sem vínculos, sem compromissos e sempre com alguma saída: «escolho, mas...». Ela colocou o dedo na chaga: escolher isto para toda a vida, a escolha do amor... Também aqui podemos dizer: «Escolho, contudo não agora mas quando acabar os estudos», por exemplo. O «escolho, mas»: aquele “mas” detém-nos, não nos deixa ir, não nos deixa sonhar, priva-nos da liberdade. Há sempre um “mas”, que por vezes se torna maior do que a escolha e a sufoca. É assim que a liberdade é minada e deixa de manter as suas promessas de vida e felicidade. E então concluímos que também a liberdade é um engano e que a felicidade não existe.
Queridos jovens, a liberdade de cada um é um dom grande, um dom que te é concedido e que deves preservar para o fazer crescer, fazer crescer a liberdade, fazê-la desenvolver; a liberdade não admite meias-medidas. E ela apostava na liberdade maior, que é a liberdade do amor: mas por que devo acabar a carreira universitária antes de pensar no amor? O amor vem quando quer — o verdadeiro amor. É um pouco perigoso, falar aos jovens do amor? Não, não é perigoso. Porque os jovens sabem bem quando se trata de verdadeiro amor e quando se trata de simples entusiasmo mascarado de amor: distinguis bem isto, vós não sois estúpidos! E por isso, tenhamos a coragem de falar do amor. O amor não é uma profissão: o amor é a vida e se o amor chegar hoje, por que tenho que esperar três, quatro, cinco anos para o fazer crescer e torná-lo estável? Neste aspeto, peço aos pais que ajudem os jovens a amadurecer quando há o amor, que o amor amadureça, não seja adiado nem se diga: «Não, porque se te casares agora, depois vêm os filhos e não poderás terminar a carreira, e tantos esforços que fizemos por ti»; todos ouvimos esta história... Na vida, ao contrário, é preciso colocar sempre em primeiro lugar o amor, mas o amor verdadeiro: e nisto deveis aprender a discernir, quando há amor verdadeiro e quando se trata apenas de entusiasmo. «Por que sinto dificuldade — afirmou ela — em dizer que sou noiva?». Ou seja, em mostrar, exibir aquele bilhete de identidade novo na minha vida? Pois estamos circundados de condicionamentos. Mas há outra coisa muito importante: «Mas tu desejas casar-te?» — «Mas, tu vais em frente assim, finges que não amas, estudas, e depois começas a viver uma vida dupla». O maior inimigo do amor é a vida dupla: compreendestes? Ou tenho que ser mais claro? O maior inimigo do amor é não só não o deixar crescer agora, esperar para terminar a carreira, mas é levar uma vida dupla, pois se começas a gostar da vida dupla, perde-se o amor, o amor vai-se embora. Por que digo isto? Porque no verdadeiro amor, o homem tem uma tarefa e a mulher tem outra. Sabeis qual é a maior tarefa do homem e da mulher no amor verdadeiro? Sabeis? A totalidade: o amor não tolera meias-medidas: ou tudo ou nada. E para fazer crescer o amor é preciso evitar os subterfúgios. O amor deve ser sincero, aberto, corajoso. No amor tens que pôr toda a carne a assar: é assim que dizemos na Argentina.
Há um aspeto na Bíblia que me faz admirar muito: no final da Criação do mundo, diz que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, e lê-se: «Varão e mulher os criou, à sua imagem e semelhança». O amor é isto. Quando se vê um matrimónio, um casal composto por um homem e uma mulher que seguem em frente na vida do amor, neles há a imagem e semelhança de Deus. Como é Deus? Como aquele matrimónio. Esta é a imagem e semelhança de Deus. Não diz que o homem é imagem e semelhança de Deus, que a mulher é imagem e semelhança de Deus. Não: os dois, juntos, são à imagem e semelhança de Deus. E depois prossegue, no Novo Testamento: «Por isso, o homem deixará o seu pai e a sua mãe, para se tornar com a sua esposa uma só carne». Isto é o amor. E qual é a tarefa do homem no amor? Tornar mais mulher a esposa ou a noiva. E qual é a tarefa da mulher no matrimónio? Tornar mais homem, o marido ou o noivo. É um trabalho a dois, que crescem juntos; mas o homem não pode crescer sozinho, no matrimónio, se a sua esposa não o fizer crescer e a mulher no matrimónio não pode crescer se o seu marido não a fizer crescer. E esta é a unidade, eis o significado de «uma só carne»: tornam-se «um», porque um faz crescer o outro. É este o ideal do amor e do matrimónio.
Vós pensais que um ideal como este, quando se sente verdadeiro, quando é maduro, se deve adiar por outros interesses? Não, não se deve. É preciso arriscar no amor, mas no amor verdadeiro, não no entusiasmo amoroso mascarado de amor.
Então devemos questionar-nos: onde está o meu amor, onde está o meu tesouro? Onde está aquilo que eu considero mais precioso na vida? Jesus fala de um homem que vendeu tudo o que possuía para comprar uma pérola preciosa de grande valor. O amor é isto: vender tudo para comprar uma pérola preciosa de grandíssimo valor. Tudo. Por isso o amor é fiel. Se houver infidelidade, não há amor; ou é um amor doente, ou pequeno, que não cresce. Vender tudo por uma só coisa. Pensai bem no amor, pensai nele a sério. Não tenhais medo de pensar no amor: mas no amor que arrisca, no amor fiel, no amor que faz crescer o outro e crescem reciprocamente. Pensai no amor fecundo.
Vi aqui, quando passei entre vós, algumas crianças ao colo dos pais: elas são o fruto do amor, do verdadeiro amor. Arriscai pelo amor!
3ª Pergunta: A terceira e última pergunta foi feita por Dario, 27 anos, enfermeiro especializado em cuidados paliativos, e referiu-se ao tema da fé e da busca de sentido. Confidenciou que na vida foram raros os momentos nos quais se confrontou com a fé e em tais ocasiões compreendeu que as dúvidas superam as certezas. Depois Dario mencionou as grandes questões: como é possível que um Deus bom permita injustiças no mundo e por que os pobres e os marginalizados devem sofrer tanto? De resto o seu trabalho leva-o a confrontar-se diariamente com a morte e a ver jovens mães ou pais abandonar os próprios filhos, o que o faz perguntar por que Deus permite isto. Além disso, acrescentou, a Igreja parece estar cada vez mais distante e fechada nos seus rituais. Para os jovens já não são suficientes as “imposições” do alto; eles precisam de um testemunho sincero de Igreja que os acompanhe e ouça as dúvidas que esta geração diariamente sente. E mais: a pompa inútil e os frequentes escândalos fazem com que a Igreja seja pouco credível para eles.
Papa Francisco: Dario pôs o dedo na chaga e repetiu várias vezes a palavra “porquê”. Nem todos os “porquês” têm uma resposta. Por que sofrem as crianças, por exemplo? Quem me pode explicar isto? Não temos uma resposta. Unicamente, encontraremos algo olhando para Cristo crucificado e para a sua Mãe: ali encontraremos um caminho para sentir no coração algo que seja uma resposta. Na oração do Pai-Nosso (cf. Mt 6, 13) há um pedido: «Não nos deixeis cair em tentação». Esta tradução em italiano recentemente foi modificada com uma tradução exata do texto original, porque podia parecer equívoca. Pode Deus Pai “induzir-nos” em tentação? Pode enganar os seus filhos? Certamente não. E por isso, a verdadeira tradução é: «não nos deixeis cair em tentação». Impede que pratiquemos o mal, liberta-nos dos pensamentos maus... Por vezes as palavras, até quando falam de Deus, atraiçoam a sua mensagem de amor. Por vezes somos nós que atraiçoamos o Evangelho. E ele falava deste atraiçoar o Evangelho, e disse assim: «A Igreja portadora da Palavra de Deus na terra, parece cada vez mais distante e fechada nos seus rituais». É forte o que ele disse; é um parecer sobre todos nós, e também de modo especial — digamos assim — para os pastores; uma opinião sobre nós, consagrados, consagradas. Disse que nós estamos cada vez mais distantes e fechados nos nossos rituais. Ouçamos isto com respeito. Nem sempre é assim, mas por vezes é verdade. Para os jovens já não são suficientes as imposições do alto: «Servem-nos provas e um testemunho sincero que nos acompanhe e ouça as dúvidas que a nossa geração sente diariamente». E ele pede a todos nós, pastores e fiéis, que acompanhemos, ouçamos, demos testemunho. Se eu, cristão, quer fiel quer leigo, uma fiel leiga, um sacerdote, uma religiosa, um bispo, se nós cristãos não aprendermos a ouvir, os sofrimentos, os problemas, a permanecer em silêncio e a deixar falar e ouvir, nunca seremos capazes de dar uma resposta positiva. E muitas vezes as respostas positivas não se podem dar com palavras: devem ser dadas arriscando-nos no testemunho. Onde não há testemunho não há o Espírito Santo. Isto é sério.
Dizia-se acerca dos primeiros cristãos: «Vede como se amam». Porque o povo via o testemunho. Sabiam ouvir, e depois viviam segundo o Evangelho. Ser cristão não é um status da vida, um status qualificado: «Agradeço-te, Senhor, por ser cristão e não sou como os outros que não crêem em Ti». Gostais desta prece? (respondem: não). Esta é a prece do fariseu, do hipócrita; rezam assim os hipócritas. «Mas, pobre gente, não entende nada. Não foram à catequese, não frequentaram um colégio ou uma universidade católica... mas, é gente simples...»: isto é cristão? É cristão ou não? (respondem: não). Não! Isto escandaliza! Isto é pecado. «Agradeço-te, Senhor, porque não sou como os outros: eu vou à Missa ao domingo, faço isto, tenho uma vida organizada, confesso-me, não sou como os outros...». Isto é cristão? (respondem: não). Não! Devemos escolher o testemunho. Certa vez, durante um almoço com os jovens, em Cracóvia, um rapaz disse-me: «Eu enfrento um problema, na universidade, porque tenho um colega que é agnóstico. Padre, o que devo dizer a este colega agnóstico para lhe fazer compreender que a nossa é a verdadeira religião?». Respondi: «Querido, a última coisa que deves fazer é dizer-lhe algo. Começa a viver como cristão, e será ele quem te perguntará por que vives assim».
Dario prosseguia: «A pompa inútil e os frequentes escândalos tornam agora a Igreja pouco credível aos nossos olhos. Santo Padre, com que olhos podemos reler tudo isto?». O escândalo de uma Igreja formal, não testemunha; o escândalo de uma Igreja fechada porque não sai. Todos os dias ele tem que sair de si mesmo, quer esteja contente, quer triste, mas deve sair para acariciar os doentes, para levar os cuidados paliativos que tornam menos dolorosa a sua passagem para a eternidade. E ele sabe o que significa sair de si mesmo, ir ao encontro dos outros, ir além das fronteiras que lhe dão segurança. No Apocalipse há um excerto no qual Jesus diz: «Eu bato à porta: se me abrirdes, entrarei e jantarei convosco»: Jesus quer vir a nossa casa. Penso muitas vezes em Jesus que bate à porta, mas de dentro, para que o deixemos sair, pois muitas vezes nós, sem testemunho, o mantemos prisioneiro das nossas formalidades, dos nossos fechamentos, dos nossos egoísmos, do nosso modo de viver clerical. E o clericalismo, que não é apenas dos clérigos, é uma atitude que concerne todos nós: o clericalismo é uma perversão da Igreja. Jesus ensina-nos este caminho de saída de nós mesmos, o caminho do testemunho. E este é o escândalo — porque somos pecadores! — não sair de nós mesmos para dar testemunho.
Convido-vos a pedir — a Dario ou a outros — que façam este trabalho, que sejam capazes de sair de si mesmos, para dar testemunho. E depois, refletir. Quando digo «a Igreja não dá testemunho», posso dizer isto também de mim? Eu dou testemunho? Ele pode dizê-lo, porque dá testemunho todos os dias, com os doentes. Mas eu, posso dizer o mesmo? Cada um de nós pode criticar este sacerdote, aquele bispo ou aquele outro cristão, se não for capaz de sair de si mesmo para dar testemunho?
Queridos jovens — é a última coisa que digo — a mensagem de Jesus, a Igreja sem testemunho é unicamente fumaça.
Estimados jovens!
Obrigado por este encontro de oração, em vista do próximo Sínodo dos Bispos.
Agradeço-vos também porque este encontro foi precedido por uma união de muitos caminhos, ao longo dos quais vos fizestes peregrinos, juntamente com os vossos bispos e sacerdotes, percorrendo estradas e veredas da Itália, no meio dos tesouros de cultura e de fé que os vossos pais deixaram como herança. Atravessastes lugares onde as pessoas vivem e trabalham, ricos de vitalidade e marcados por fadigas, tanto nas cidades como nos povoados e nas aldeias remotas. Espero que tenhais respirado profundamente as alegrias e as dificuldades, a vida e a fé do povo italiano.
No trecho do Evangelho que ouvimos (cf. 20, 1-8), João descreve-nos aquela incrível manhã que mudou para sempre a história da humanidade. Imaginemos aquela manhã: na primeira luz da aurora do dia depois do sábado, perto do túmulo de Jesus todos se põem a correr. Maria Madalena corre para avisar os discípulos; Pedro e João correm rumo ao sepulcro... Todos correm, todos sentem a urgência de se mover: não há tempo a perder, é necessário apressar-se... Assim como tinha feito Maria — recordais? — logo que concebera Jesus, para ir ajudar Isabel.
Temos muitos motivos para correr, muitas vezes só porque há muitas coisas a fazer e o tempo nunca é suficiente. Às vezes apressamo-nos porque nos atrai algo novo, bonito, interessante. Por vezes, ao contrário, corre-se para fugir de uma ameaça, de um perigo...
Os discípulos de Jesus correm porque receberam a notícia de que o corpo de Jesus desapareceu do túmulo. Os corações de Maria Madalena, de Simão Pedro e de João estão cheios de amor e batem descontroladamente depois da separação que parecia definitiva. Talvez se tenha reaceso neles a esperança de rever o rosto do Senhor! Como naquele primeiro dia, quando Ele prometera: «Vinde ver!» (Jo 1, 39). Quem corre mais depressa é João, certamente porque é mais jovem, mas também porque não deixou de esperar, depois de ter visto com os seus olhos Jesus morrer na cruz; e também porque esteve próximo de Maria, e por isso foi “contagiado” pela sua fé. Quando sentimos que a fé desfalece ou é tíbia, vamos ter com Ela, Maria, e Ela ensinar-nos-á, entender-nos-á, far-nos-á sentir a fé.
Caros jovens, a partir daquela manhã a história já não é a mesma. Aquela manhã mudou a história. A hora em que a morte parecia triunfar, na realidade revela-se como a hora da sua derrota. Nem sequer aquela pedra pesada, posta diante do sepulcro, conseguiu resistir. E a partir daquele alvorecer do primeiro dia depois do sábado, cada lugar onde a vida é oprimida, cada espaço onde dominam violência, guerra e miséria, onde o homem é humilhado e espezinhado, naquele lugar ainda pode voltar a acender-se uma esperança de vida.
Prezados amigos, pusestes-vos a caminho e viestes a este encontro. E agora a minha alegria é sentir que os vossos corações batem de amor por Jesus, como os de Maria Madalena, de Pedro e de João. E dado que sois jovens, eu, como Pedro, sinto-me feliz por vos ver correr mais depressa, como João, levados pelo impulso do vosso coração, sensível à voz do Espírito que anima os vossos sonhos. É por isso que vos digo: não vos contenteis com o passo prudente de quem se põe no fim da fila. Não vos contenteis com o passo prudente de quem se põe no fim da fila. É preciso ter coragem de arriscar um salto para a frente, um pulo audaz e temerário, para sonhar e realizar como Jesus o Reino de Deus, comprometendo-vos em prol de uma humanidade mais fraterna. Precisamos de fraternidade: arriscai, ide em frente!
Ficarei feliz por vos ver correr mais depressa do que aqueles que, na Igreja, são um pouco lentos e receosos, atraídos por aquela Face tão amada, que adoramos na Sagrada Eucaristia e reconhecemos na carne do irmão que sofre. O Espírito Santo vos impulsione nesta corrida para a frente. A Igreja precisa do vosso ímpeto, das vossas intuições, da vossa fé. Nós temos necessidade disto! E quando chegardes onde nós ainda não chegamos, tende a paciência de esperar por nós, como diz João com Pedro diante do sepulcro vazio. E mais: caminhando juntos, nestes dias, experimentastes quanto esforço é necessário para acolher o irmão ou a irmã que está ao meu lado, mas também quanta alegria pode oferecer-me a sua presença, se eu a receber na minha vida sem preconceitos nem fechamentos. Caminhar sozinho permite desligar-se de tudo, talvez ser mais rápido, mas caminhar juntos leva-nos a ser um povo, o povo de Deus. O povo de Deus que nos dá segurança, a segurança da pertença ao povo de Deus... E com o povo de Deus sentimo-nos seguros, no povo de Deus, na nossa pertença ao povo de Deus temos uma identidade. Assim reza um provérbio africano: «Se quiseres ir depressa, caminha sozinho. Se quiseres ir longe, caminha com alguém».
O Evangelho diz que Pedro foi o primeiro que entrou no sepulcro e viu os panos no chão e o sudário posto num lugar à parte. Em seguida, entrou também o outro discípulo, que — narra o Evangelho — «viu e acreditou» (v. 8). São muito importantes estes dois verbos: ver e acreditar. Em todo o Evangelho de João narra-se que, vendo os sinais que Jesus realizava, os discípulos acreditaram nele. Ver e acreditar. De que sinais se trata? Da água transformada em vinho para as bodas; de alguns doentes curados; de um cego de nascença que volta a adquirir a vista; de uma grande multidão saciada com cinco pães e dois peixes; da ressurreição do amigo Lázaro, quatro dias depois da sua morte. Em todos estes sinais, Jesus revela o rosto invisível de Deus.
Dos sinais de Jesus não transparece a representação da sublime perfeição divina, mas a narração da fragilidade humana, a qual encontra a Graça que redime. Há a humanidade ferida que é curada pelo encontro com Ele; há o homem caído que encontra uma mão estendida na qual pegar; há a consternação dos derrotados que descobrem uma esperança de resgate. E João, quando entra no sepulcro de Jesus, traz nos olhos e no coração aqueles sinais realizados por Jesus, imergindo-se no drama humano para o reanimar. Caros jovens, Jesus Cristo não é um herói imune à morte, mas Aquele que a transforma com o dom da sua vida. E o lençol dobrado com cuidado diz que já não terá necessidade dele: a morte já não tem poder sobre Ele.
Queridos jovens, é possível encontrar a Vida nos lugares onde reina a morte? Sim, é possível. Responderíamos não, que é melhor estar à distância, afastar-se. E no entanto, esta é a novidade revolucionária do Evangelho: o sepulcro vazio de Cristo torna-se o último sinal em que resplandece a vitória definitiva da Vida. E então não tenhamos medo! Não permaneçamos à distância dos lugares de sofrimento, de derrota, de morte. Deus concedeu-nos um poder maior do que todas as injustiças e fragilidades da história, maior do que o nosso pecado: Jesus venceu a morte, entregando a sua vida por nós. E manda-nos anunciar aos nossos irmãos que Ele é o Ressuscitado, o Senhor, e doa-nos o seu Espírito para semear com Ele o Reino de Deus. Aquela manhã do domingo de Páscoa mudou a história: tenhamos coragem!
Quantos sepulcros — por assim dizer — hoje esperam a nossa visita! Quantas pessoas feridas, também jovens, selaram o seu sofrimento “colocando — como se diz — uma pedra em cima”. Com a força do Espírito e a Palavra de Jesus, podemos remover aquelas rochas e deixar entrar raios de luz naquelas profundezas de trevas.
O caminho para vir a Roma foi bom e cansativo; pensai, quanto cansaço, mas quanta beleza! E igualmente bom e difícil será o caminho de regresso aos vossos lares, aos vossos povoados e comunidades. Percorrei-o com a confiança e a energia de João, o “discípulo amado”. Sim, o segredo consiste inteiramente nisto, em ser e em saber que somos “amados”, “amadas” por Ele, Jesus; o Senhor ama-nos! E cada um de nós, voltando para casa, infunda isto no coração e na mente: Jesus, o Senhor, ama-me! Sou amado, sou amada. Sentir a ternura de Jesus que me ama. Percorrei com coragem e alegria o caminho para casa, percorrei-o com a consciência de serdes amados por Jesus. Então, com este amor, a vida torna-se uma boa corrida, sem ansiedade, sem medo, sem aquela palavra que nos destrói. Sem ansiedade nem medo. Uma corrida rumo a Jesus e aos irmãos, com o coração repleto de amor, de fé e de alegria. Caminhai assim!
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