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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO AO CHILE E PERU
(15-22 DE JANEIRO DE 2018)

CONFERÊNCIA DE IMPRENSA
DURANTE O VOO DE REGRESSO DE LIMA A ROMA

Domingo, 21 de janeiro de 2018

[Multimídia]


 

Greg Burke

Santo Padre, obrigado! Obrigado pelo tempo que nos dá nesta noite, depois duma viagem longa e intensa, às vezes um pouco quente e húmida, mas uma viagem rica onde Vossa Santidade tocou o coração do povo, do «santo povo fiel de Deus», com um mensagem de paz e esperança. Mas Vossa Santidade também enfrentou desafios relativos à Igreja no Chile, à Igreja no Perú e também às duas nações, com uma atenção especial à dignidade humana, aos povos indígenas e à Amazónia. Obrigado pela oportunidade de o acompanhar de perto. E agora procuremos aprofundar um pouco os temas da viagem.

Papa Francisco

Boa noite. Obrigado pelo vosso trabalho. Foi uma viagem, não sei como se diz em italiano, mas em espanhol dir-se-ia «pasteurizado», como se faz com o leite: faz-se passar de frio a quente, de quente a frio, e nós passamos do sul de Chile, fresco com aquela paisagem lindíssima, para o deserto, para a floresta de Maldonado, depois para Trujillo com o mar e, finalmente, Lima: todas as temperaturas e todos os climas. E isto cansa. Muito obrigado. E agora, as perguntas.

Greg Burke

Temos perguntas do Perú e do Chile. Para começar, temos Armando Cangianga.

Papa Francisco

Começamos pelas perguntas sobre a viagem, todos; e, quando estas terminarem, se faltar alguma coisa sobre a viagem, digo-a eu. E, depois as outras perguntas, se as houver.

Greg Burke

Muito bem. Armando Cangianga Alaya (de Rpp, do Perú).

Armando Cangianga Alaya

Santo Padre, queria agradecer por nos ter permitido acompanhá-lo nesta viagem. Vossa Santidade disse no voo de ida que não conhecia bem o Perú e, nestes dias, teve oportunidade de percorrer três cidades. A minha pergunta é sobre esta viagem em que as pessoas fizeram de tudo para o ver, chegando mesmo a dizer-lhe carinhosamente: «Panchito, não vás embora…» Que leva da viagem, Santo Padre? Que leva do Perú?

Papa Francisco

Levo comigo a impressão dum povo crente, um povo que atravessa, e atravessou historicamente, muitas dificuldades, mas tem uma fé que me impressiona. Não só a fé em Trujillo, onde a piedade popular é muito rica e muito forte, mas a fé ao longo das estradas. Vós vistes o que eram as estradas? E não só em Lima, onde evidentemente se nota, mas também em Trujillo. E, em Puerto Maldonado, pensava ter o encontro num espaço como este, mas era uma praça cheia e, quando ia dum lugar para o outro, as próprias estradas. Ou seja, um povo que saiu à rua para expressar a sua alegria e a sua fé. É verdade que vós tendes, ou melhor – como dizia hoje ao meio-dia – vós sois uma terra «cumulada de santidade», sois o povo latino-americano que tem mais Santos; e Santos de alto nível: Toríbio, Rosa, Martinho, João... Sinto que tendes a fé muito arraigada dentro. Levo comigo do Perú uma impressão de alegria, de fé, de esperança, de voltar a caminhar e, acima de tudo, muitas crianças. Ou seja, voltei a contemplar aquela imagem que vi nas Filipinas e em Colômbia: os pais e as mães, à minha passagem, erguiam os filhos. E isto diz futuro, isto diz esperança, porque ninguém traz filhos ao mundo, se não tem esperança. A única coisa que vos peço é que cuideis da riqueza, não só daquela que têm as igrejas e os museus – a obras de arte são geniais –, nem apenas daquela da história da santidade e dos sofrimentos que muito vos enriqueceram, mas desta riqueza que vi nestes dias

Giovanni Hinojosa Navarro (de «La Republica»)

Santidade, no Perú, a classe política defraudou o povo com atos de corrupção e indultos negociados. Mas também o fizeram alguns membros da Igreja: basta pensar nas vítimas do «Sodalício de Vida Cristã» à espera de justiça. Que pensa o Santo Padre de ambos os casos?

Papa Francisco

Bem, primeiro o problema da corrupção. Eu não saberia responder-te historicamente a respeito do crescimento da corrupção neste ou naquele lugar do mundo. Sei que, nalguns países da Europa, há muita corrupção; alguns, não todos. Na América Latina, é verdade que existem muitos focos de corrupção. Agora é de moda falar de Odebrecht, por exemplo. Mas isto é um fenómeno que aparece. A origem da corrupção, qual é? Eu diria que é o pecado original que te leva a isso. Uma vez escrevi um livrito, muito pequeno, que se chama Pecado e corrupção; e a mensagem que deixo, a partir desse livro, é: «pecador sim, corrupto não». Todos somos pecadores. Mas eu sei que todos nós – aqueles que estamos aqui; eu faço a minha parte e penso que também vós a façais –, quando nos encontramos offside (fora de jogo) num pecado sério: «Isto é mal, aqui comportei-me mal com um amigo, ou roubei, fiz “não sei o quê”, ou droguei-me», então paro e procuro não voltar a fazê-lo. Bem, há o perdão de Deus sobre tudo isso. Do pecado, não tenho medo; tenho medo da corrupção, porque esta vicia-te a alma e o corpo; e uma pessoa corrupta está tão segura de si, que não pode voltar para trás. Ou seja, a corrupção é como as areias movediças donde procuras sair: dás um passo e afundas-te mais, sempre mais até te engolir. É um pântano... Isto sim, é a destruição da pessoa humana. Não sei se respondi, e se querias perguntar algo mais sobre corrupção… Depois passo ao Sodalício. Claramente o político tem muito poder. O empresário também tem muito poder. Um empresário, que paga apenas metade aos seus operários, é um corrupto; e uma dona de casa que está habituada – e julga isso a coisa mais normal possível – a explorar as mulheres da limpeza quer no salário quer na maneira de as tratar, é uma corrupta, porque já o considera normal. Lembro a conversa que tive uma vez com uma pessoa, um profissional, que me contou como estava levando as coisas. Jovem, teria trinta anos, tratava o pessoal doméstico duma forma nada nobre e mencionava o que lhe fazia. Eu disse-lhe: «Mas, tu não podes fazer isso. É pecado!» «Padre – diz-me ele –, não vamos comparar essas pessoas comigo, essas pessoas estão ali para isso». E é o que pensa o traficante sexual, o traficante de trabalhado escravo: os corruptos. E, na Igreja, há corrupção? Sim. Há casos de corrupção na Igreja. Na história da Igreja, sempre os houve. Sempre os houve, porque homens e mulheres da Igreja entraram no jogo da corrupção. E isto serve-me de ponte para falar do caso do Sodalício. O Sodalício começou com um caso duma pessoa que parecia muito virtuosa, de muita virtude. Morreu e, investigando, descobriu-se que tinha vida dupla. É o primeiro caso do Sodalício, que conheço; isto, porém, há vinte ou vinte e cinco anos atrás. Depois, houve uma denúncia de abuso, não só sexual, mas manipulação de consciência por parte do fundador. O processo ao fundador entrou na Santa Sé, foi-lhe infligida uma pena: não foi expulso do Sodalício, mas vive sozinho, e uma pessoa cuida dele. Ele declara-se inocente relativamente às provas apresentadas no julgamento e apelou para a Signatura Apostólica, que é o Tribunal Supremo do Vaticano. A causa está em apelo. Pelos dados que tenho, a sentença não levará um mês a sair. O processo arrasta-se por um ano; em menos de um mês, sairá. Mas, que sucedeu agora? Aquele julgamento foi um incentivo para que outras vítimas daquela pessoa recorressem ao julgamento civil e eclesiástico. Então deixou de ter sentido que a Signatura Apostólica ponha termo a este primeiro julgamento – com sentença favorável ou contrária –, porque contra este homem, agora sim, há coisas muito mais graves, sobre as quais se pronunciará a justiça. Trata-se de vários casos graves e interveio a justiça civil, o que, nestes casos de abusos, sempre convém, porque é um direito. Mas daquilo que sei, e não sei muito, a situação é bastante desfavorável ao fundador. Aliás, a situação não era apenas pessoal, havia lá coisas que não eram inteiramente claras. Então, há quase dois anos enviei um Visitador ao Sodalício na pessoa do cardeal Tobin, bispo de Newark. O cardeal Tobin faz a visita; descobre coisas que não entende ou que não estão claras; nomeia dois observadores económicos e este é o terceiro abuso que girava à volta do fundador: manejo económico. Depois dum estudo, recomenda «comissariar» o Sodalício. Chegou a carta dele há quatro semanas, estudou-se o caso e foi nomeado um comissário há duas semanas. Se hoje o Sodalício está «comissariado» pela Santa Sé, é por tudo isso. Um caso parecido – parecido quanto aos novos procedimentos, não nas acusações – é o dos Legionários que foi resolvido a seu tempo pelo Papa Bento XVI, que nisso era muito firme e muito forte. Bento não tolerava aquelas coisas. E eu aprendi dele a não as tolerar também. Não sei se te respondi. Ou seja, hoje o estado jurídico do Sodalício é de «comissariamento», ao mesmo tempo que prossegue a visita apostólica.

Juan Pablo Iglesias Mori (de La Tercera)

Boa noite, Santo Padre! Muito obrigado por esta oportunidade de lhe fazer algumas perguntas sobre a viagem. A pergunta que lhe queria fazer deve-se a isto: enquanto no seu primeiro discurso no Chile foi muito duro contra os abusos, tendo Vossa Santidade falado de «vergonha», de compreender o sofrimento das vítimas, não se mostrou assim no último dia, nas declarações que fez sobre o bispo Barros o qual teve uma declaração onde, no fim de contas, tentou mentir ou caluniar as vítimas. Por que motivo o Santo Padre crê mais no testemunho do bispo Barros do que no das vítimas? Não se atraiçoa um pouco a confiança nessas vítimas que Vossa Santidade defendeu no Chile?

Papa Francisco

Compreendo a pergunta. Sobre Barros, fiz uma declaração, não declarações: uma só. Falei no Chile, foi em Iquique, no final. No Chile, falei duas vezes dos abusos: com grande força, diante do governo, que significava falar diante da Pátria e, na catedral, com os sacerdotes. O discurso que fiz aos sacerdotes traduz o que sinto mais profundamente a respeito deste problema. Sabeis que foi o Papa Bento XVI que começou com a tolerância zero; eu prossegui com a tolerância zero e, após quase cinco anos de pontificado, não assinei um único pedido de graça. Os processos são assim: entram na Congregação para a Doutrina da Fé e a Congregação pronuncia a sentença. Nos casos de remoção do estado clerical, é definitiva a sentença em primeira instância; a pessoa condenada tem direito de recorrer. Há um Tribunal de Recurso de segunda instância. O Tribunal de Recurso sabe que, se houver provas claras de abuso, não há lugar para o recurso; não se apela, o que pode ser objeto de apelo são os procedimentos: defeitos nos procedimentos, irregularidades, etc. e, neste caso, deve emitir ou rever a sentença, como em qualquer julgamento, não é? Se a segunda instância confirmar a primeira, resta apenas uma saída para a pessoa: apelar ao Papa como graça. Em cinco anos, terei recebido – não sei bem o número – vinte ou vinte e cinco casos de graça, que tiveram a coragem de pedir. Não assinei nenhum. Somente um caso, mas não se tratou de graça nem coisa parecida; foi a discussão duma sentença jurídica, quando, no meu primeiro ano de pontificado, me encontrei com duas sentenças: uma, muito séria, que provinha da diocese e outra dada pela Doutrina da Fé. A da Doutrina da Fé era a mais dura, enquanto a que vinha da diocese era muito séria, com grande cautela e muito condicionada. Nestas condições, há que esperar um pouco e ver como... ou seja, não encerrava o caso. Como se faz em boa jurisprudência, sempre a favor do réu, optei pela mais leve, com as condições. Avaliado o caso dois anos depois, viu-se que não cumpriu as condições e então deixei que fosse aplicada a outra sentença. Foi o único caso em que duvidei, mas porque havia duas sentenças e o princípio jurídico in dubio pro reo. E então eu optei por isso. Esta é a minha posição.

Quanto ao caso do bispo Barros... É um caso que fiz estudar, fiz investigar, foi muito analisado e realmente não há evidências – uso a palavra «evidência», porque mais adiante falarei das provas –, não há evidências de culpabilidade, e parece mesmo que não se encontrarão, porque a coerência aponta noutro sentido. Por conseguinte, com base no facto de não haver evidências é que eu espero alguma evidência para mudar de posição, caso contrário aplico o princípio jurídico basilar em todo o tribunal: nemo malus nisi probetur, ninguém é culpado até prova em contrário. E aqui aparece a palavra «prova», que foi – creio eu – a que me pregou a partida.

[Estou a falar em espanhol. Desculpe, não me dei conta...]

Estava a entrar e uma jornalista de Iquique pergunta-me: «Nós, no Chile, temos o grande problema do bispo Barros, que pensa?». Penso que as palavras, que lhe disse, foram estas (Mas primeiro pensei para comigo: «Respondo ou não?» Disse sim. Por que razão? Porque Barros fora bispo de Iquique, e uma diocesana dele mo perguntava. Tem direito a uma resposta). E disse-lhe: «No dia em que tiver uma prova, falarei». Creio que disse: «Não tenho provas». Creio, mas não me lembro. Mas está gravado, podes encontrá-lo.

[A resposta foi...].

Eu falaria de evidências e, claro, sei que há muitas pessoas abusadas que não podem apresentar uma prova: não a têm, nem podem tê-la. Ou às vezes possuem-na, mas têm a vergonha que as bloca e sofrem em silêncio. O drama dos abusados é tremendo, mesmo tremendo. Há dois meses, tive de me ocupar duma mulher abusada há quarenta anos… quarenta! Casada, com três filhos. Aquela mulher não recebia a comunhão desde então, porque, na mão do sacerdote, via a mão do abusador. Não podia aproximar-se. E era crente, era católica. Não podia…

[desculpai, se continuo em espanhol...].

Assim a palavra «prova» não era a melhor para me aproximar dum coração ferido; eu diria «evidências». No caso de Barros, estudou-se, voltou-se a estudar e não há evidências, e era isto que eu pretendia dizer: não tenho evidências para condenar. E, neste caso, se eu condenasse sem evidências ou sem certeza moral, cometeria eu um delito como mau juiz. Mas há outra coisa que quero dizer. Entendes o italiano?

Explicá-lo-ei em italiano. Um de vós aproximou-se de mim e disse-me: «Viu a carta que saiu?» e fez-me ver uma carta que eu escrevera há alguns anos, quando começou o problema de Barros. Devo explicar aquela carta, porque é também uma carta a favor da prudência com que foi gerido o problema Barros. Aquela carta não é a narração dum facto concreto; aquela carta é a narração de cerca de dez ou doze meses. Quando rebentou o escândalo Karadima, um homem cujo escândalo é do conhecimento de todos, começou-se a ver quantos sacerdotes que tinham sido formados por Karadima foram abusados ou foram abusadores. No Chile, há quatro bispos que Karadima enviara para o Seminário. Alguém da Conferência Episcopal sugeriu que estes bispos – três, porque um quarto estava muito doente e não tinha um encargo diocesano, mas três tinham um encargo diocesano – sugeriu que talvez fosse melhor estes bispos renunciarem, darem a demissão, fazerem um ano sabático e depois, passada a tempestade, para evitar acusações... porque são bons bispos, bons bispos. Como Barros: Barros já tinha então vinte anos de episcopado. Estava prestes a terminar o cargo de Ordinário Militar, porque ele primeiro foi Auxiliar de Valparaíso, depois bispo de Iquique e finalmente Ordinário Militar durante quase dez anos. Diz a carta: «Peçamos-lhe a demissão, talvez explicando...»; e ele generosamente deu a demissão. Veio a Roma, e eu disse: «Não. Assim não vale. Porque isto é admitir culpa prévia. Em cada caso, se houver culpados, investigue-se». E eu rejeitei a demissão. Estes são os dez meses daquela carta. Depois, quando foi nomeado [para Osorno], continuou todo este movimento de protesto, e ele deu-me a demissão pela segunda vez. Disse-lhe: «Não, tu vai». Falei longamente com ele, outros falaram longamente com ele: «Tu vai». E vós sabeis o que aconteceu lá no dia da tomada de posse e tudo isto. Continuou-se a fazer investigação sobre Barros: não aparecem evidências. Por isso... Foi o que eu quis dizer. Não posso condená-lo, porque não tenho as evidências de culpabilidade; mas eu próprio estou convencido que esteja inocente.

Passo a um terceiro ponto; o da carta, expliquei claramente como se deram as coisas. Passo ao terceiro ponto: que sentem os abusados. Sobre isto, devo pedir desculpa, porque a palavra «prova» feriu, feriu muitos abusados. «Então tenho eu de ir procurar a prova disto, ou de fazer aquilo...?». Não. É uma palavra de tradução do princípio legal e… feriu. Peço-lhes desculpa por tê-los ferido, sem me dar conta; mas feri sem querer. E isso pesa-me imenso, porque eu recebo-os. No Chile, recebi dois; estes, de domínio público, mas houve mais, recebidos às escondidas. No Perú, não. Mas, em cada viagem, há sempre alguma possibilidade. Dos de Filadélfia, dois ou três foram publicados; outros casos não o foram. Sei quanto sofrem. Ouvir o Papa dizer-lhes «tragam-me uma carta com a prova» é uma afronta. E agora dou-me conta de que a minha expressão não foi feliz, porque não pensei nisto. E compreendo – como diz o apóstolo Pedro numa das suas Cartas - o incêndio que se solevou. Isto é tudo o que te posso dizer com sinceridade. Barros permanecerá lá, se eu não encontrar motivo para o condenar. Não posso condená-lo, se não tiver – não digo provas – se não tiver evidências. E há tantos modos para chegar a uma evidência. Claro? Muito bem.

Dizem-me que, depois da turbulência de Barros e do Sodalício, temos mais uma: a meteorológica. Eu permaneceria aqui. Se não tivessem dificuldade, continuaríamos, embora sem nos vermos olhos nos olhos, sentados, para não perder tempo: porque depois vem o jantar e cortam-nos a conferência de imprensa. Dizem que os anjos não têm costas. Vejamos! Eu ficarei de pé, se não se mover; se entretanto se mover, continuarei sentado.

Greg Burke

Permanecemos no Chile com Matilde Burgos, da Cnn/Cile

Matilde Burgos

Muito obrigada, Santidade, por esta viagem ao nosso país. Vejo que o Santo Padre quer deixar muito claro o caso de Barros; por isso, antes da minha pergunta, desejava que me explicasse uma coisa: Por que motivo o testemunho das vítimas não é uma evidência para Vossa Santidade? Por que motivo não acredita nelas? E a segunda é: A que atribui Vossa Santidade o facto que a sua visita ao Chile seja considerada como um falimento de fiéis e um falimento da Igreja que aparece mais dividida?

Papa Francisco

O testemunho das vítimas é sempre uma evidência. Sempre. No caso de Barros, não as temos: não há evidências. Talvez tenha início com aquela decisão infeliz da demissão e começou-se a acusá-lo. Mas de abuso, não há evidências.

Matilde Burgos

De encobrir abusos...

Papa Francisco

Sim, sim, de encobrir; é um abuso também. Ou seja, esconder abuso é um abuso. Não há evidências. Por isso, o melhor é que a pessoa que julga que é assim, traga rapidamente as evidências; se, honestamente, pensa que é assim. Eu, neste momento, não acho que seja assim, porque não as há, mas tenho o coração aberto para as receber. Quanto à outra coisa, sobre o Chile, é um conto-da-carochinha. Eu, do Chile, volto feliz. Não esperava tantas pessoas pelas estradas (não pagamos a entrada! Essas pessoas não foram pagas nem levadas de autocarro), a espontaneidade da expressão chilena foi muito forte; mesmo em Iquique, onde pensei que seria muito pouca porque Iquique é deserto, vistes o que lá havia de povo? No sul, o mesmo. E as ruas de Santiago falavam por si mesmas. A propósito, penso que seja responsabilidade de quem informa ir aos factos concretos. E depois, a do povo dividido, não sei donde venha. É a primeira vez que o ouço. Talvez este caso de Barros seja aquilo que o criou, colocando-o na sua realidade pode ser o motivo. Mas, a impressão que o Chile me deu foi muito grande e gratificante, e muito forte. Depois, gostaria de voltar – ao menos um momento – àquilo que mais me comoveu no Chile, mas isso antes de passar a outros temas, se tivermos tempo.

Greg Burke

Passamos ao grupo italiano, Andrea Tornielli.

Andrea Tornielli (La Stampa)

Santidade, eu queria falar sobre o que disse no dia que passou na Amazónia, porque, naquele discurso, havia um elemento – poder-se-ia dizer – novo, isto é, não apenas a ameaça representada pelos grandes grupos económicos, mas também a ameaça – antes, o Santo Padre falou de «perversão» – de algumas políticas ambientalistas que acabam por sufocar a vida das pessoas. Então, há um ambientalismo que é contra o homem?

Papa Francisco

Sim. Naquela área – não poderei descrever bem neste momento –, quis-se proteger a floresta para salvar algumas tribos; mas depois estas ficaram fora e a floresta acabou para exploração. Todavia o dado mais concreto deste caso está nas estatísticas da área. Penso que nelas encontrarás certamente os dados exatos. É um fenómeno que, para proteger o meio ambiente, acaba por isolar: ficaram isolados dum progresso real; um fenómeno que se verificou lá, naquela área, e que estudei nas informações enviadas para preparar a viagem. Obrigado.

Greg Burke

E agora Aura Miguel, da Rádio Renascença.

Aura Vistas Miguel

Santidade, a minha pergunta tem a ver com a celebração do matrimónio no avião. Daqui para diante que diria aos párocos, aos bispos, quando os noivos vêm pedir para se casar não sei onde, na praia, nos parques, nos navios, nos aviões... Que diria?

Papa Francisco

Mas imagina tu cruzeiros com casamento! Isto seria... Um de vós disse-me que eu, para fazer estas coisas, estou tonto. O caso foi simples. O homem estava no voo anterior, ela não. E falei com ele... Depois dei-me conta de que me «sondara»: falou da vida, perguntou-me que pensava da vida, da vida de família, falava... fizemos uma conversa interessante. Depois, no dia seguinte, estavam os dois e, quando fizemos as fotografias, disseram-me: «Estávamos para nos casar na Igreja, tínhamo-nos casado com rito civil, mas no dia anterior – vê-se que eram duma cidade pequena – a igreja caiu no terremoto e não houve o matrimónio». Isto há dez anos, talvez oito – o terremoto foi em 2010 – há 8 anos. «Sim, fazemo-lo amanhã, depois de amanhã... a vida é assim. Veio uma filha, depois outra filha. Mas sempre temos isto no coração: não estamos casados». Interroguei-os um pouco, e as respostas eram claras: «Para toda a vida...» – «E como sabeis estas coisas? Tendes boa memória do catecismo» – «Não é isso. Na altura, fizemos o curso pré-matrimonial». Estavam preparados. Aos párocos, diz-lhes que estes estavam preparados, e eu discerni que estavam preparados. Pediram-mo: os sacramentos são para as pessoas humanas. Todas as condições eram claras. E porque não fazer hoje o que se pode fazer hoje, em vez de adiar para amanhã, um amanhã que poderia ser talvez dez, oito anos mais tarde? Esta é a resposta. Concluí que estavam preparados, que sabiam aquilo que faziam. Cada um deles preparou-se diante do Senhor, com o sacramento da Penitência, e depois casei-os. E, quando chegaram ao destino, estava tudo feito. Alguém me referiu que terão dito a um de vós: «Vamos ao Papa pedir que nos case». Não sei se é verdade ou não que tinham aquela intenção. Foi assim que aconteceu. Mas pode-se dizer aos párocos que o Papa fez bem o interrogatório; e quando me disseram que tinham feito o curso... Mas estavam conscientes, estavam cientes de que se encontravam em situação irregular. Obrigado.

Greg Burke

Santidade, já passou quase uma hora. Não sei se é possível fazermos ainda uma ou duas perguntas.

Papa Francisco

Sim; sobre a viagem.

Greg Burke

Sim, sobre a viagem. Nicole Winfield, Associated Press.

Papa Francisco

Sim, porque, sobre o Perú não se disse quase nada…

Nicole Winfield

É verdade que não; mas perguntava ainda sobre o Chile…

Papa Francisco

Está bem…

Nicole Winfield

Santo Padre, ontem o cardeal O'Malley fez uma declaração a propósito destes comentários sobre o bispo Barros, dizendo que «palavras como estas eram fonte de sofrimento para os sobreviventes [as vítimas] do abuso, fazendo-os sentir-se abandonados e desacreditados». Vossa Santidade disse-nos que isso lhe pesava. Imagino e pergunto-me se terão sido precisamente as palavras do cardeal O'Malley que lhe fizeram compreender aquele sofrimento? E, depois, uma pergunta relacionada com isto. Na Comissão para a Proteção dos Menores, guiada pelo Cardeal O'Malley, terminava o período de nomeação para os primeiros membros no mês passado. Há pessoas que, vendo este termo de prazo, se interrogam se seja sinal de não-prioridade à proteção dos menores.

Papa Francisco

Compreendo. Vi a declaração do cardeal O'Malley, que afirma também: «O Papa sempre defendeu as vítimas..., o Papa usa tolerância zero...». Com aquela expressão não feliz, sucedeu o que tu disseste e que me fez pensar no efeito da palavra «prova»...

[Winfield acrescenta: Inclusive calúnia…]

… a calúnia dá-se quando alguém afirma, com pertinácia e sem ter a evidência, que tu fizeste isto, que tal pessoa fez isto: isto é calúnia. Se eu disser: «Tu roubaste». – «Não! Eu não roubei». – «Roubaste, sim senhor! Roubaste» estou a caluniar, porque não tenho as evidências.

[Winfield explica: Mas são as vítimas que o dizem…]

Mas eu não ouvi nenhuma vítima de Barros...

[Winfield replica: Há vítimas de Karadima que dizem que Barros estava lá…]

Não vieram, não deram as evidências para o julgamento. Tudo isso é um pouco vago, é algo que não se pode tomar em consideração. Tu, com boa vontade, dizes-me que há vítimas, mas eu não as vi, porque não se apresentaram. É verdade que Barros era de lá, do grupo dos jovens; Barros entrou no Seminário não sei quando, mas tendo hoje 24 ou 23 anos de bispo, depois dos 15 anos como sacerdote, entrou lá muito jovem. Ele diz que não viu. Era do grupo, mas depois seguiu por outra estrada. Nisto devemos ser claros: uma pessoa acusar sem as evidências, com pertinácia, é uma calúnia. Mas se vier uma pessoa e me der a evidência, eu sou o primeiro que me disponho a ouvi-la. Devemos ser justos nisto, muito justos. Pensei naquilo que disse o cardeal O'Malley, agradeço-lhe a declaração porque foi muito justa: disse tudo o que fiz e faço e o que faz a Igreja, e depois falou do sofrimento das vítimas, não deste caso, mas em geral. Porque, como disse ao princípio, há muitas vítimas que não são capazes, por vergonha, pelo motivo que for, de trazer um documento, um testemunho. É isto. E qual era a segunda pergunta que me fazias?

Greg Burke

A comissão…

Papa Francisco

A comissão, sim. Fora nomeada por três anos, creio eu. Expirou o prazo; estudou-se a nova comissão e eles, a própria comissão, decidiram renovar o mandato a uma parte e, para a parte restante, nomear novos membros. Na terça-feira anterior ao dia da partida para esta viagem, chegou a lista da comissão definitiva e agora segue o percurso normal da Cúria. Havia qualquer observação sobre alguns que se deve esclarecer, porque, para as pessoas novas, estuda-se o currículo, como se tinha feito para as outras. Havia duas observações que se deviam esclarecer. Mas, nisto, o cardeal O'Malley trabalhou bem, a comissão trabalhou como se deve. Por favor, não pensar que perdeu a prioridade... Os tempos são o período normal duma nomeação do género.

Greg Burke

Santidade, faremos uma última pergunta... se for sobre a viagem.

Catherine Marciano (AFP)

Santidade, um dos objetivos da Igreja é lutar contra a pobreza. No Chile, em vinte anos, o nível de pobreza desceu de 40% para 11%. Na sua opinião, é o resultado duma política liberal, deve-se ao liberalismo? E outra pequena pergunta relativa ao cardeal Maradiaga: Que pensa o Santo Padre da notícia sobre ele a propósito de dinheiros?

Papa Francisco

A pergunta sobre o cardeal Maradiaga não é da viagem, mas respondo. Ele fez uma declaração filmada, há um vídeo, e eu digo o mesmo que ele disse. Quanto ao liberalismo, eu diria que devemos estudar bem os casos de política liberal. Existem outros países na América Latina com políticas liberais que levaram o país a uma pobreza maior. No caso do Chile, verdadeiramente não sei o que responder, porque não sou técnico nisto, mas, em geral, uma política liberal que não envolve todo o povo é seletiva e afunda. Mas é uma regra geral; o caso do Chile, verdadeiramente não conheço o suficiente, para poder responder. Mas vemos que, noutros países da América Latina, a situação piora cada vez mais.

Sobre a viagem, gostaria de dizer algo que me comoveu muito. O cárcere das mulheres: eu tinha o coração lá. Sempre sou muito sensível à prisão e aos reclusos e, quando vou a uma prisão, sempre me interrogo: porquê eles e não eu? Ver estas mulheres, ver a criatividade destas mulheres, a capacidade de mudar e querer mudar a vida, de se reinserir na sociedade com a força do Evangelho... Disse-me um de vós: «Vi a alegria do Evangelho». Comoveu-me isto, senti-me verdadeiramente muito emocionado naquele encontro. É uma das coisas mais belas da viagem. Depois, em Puerto Maldonado, sobre aquele encontro com os aborígenes, não me demoro porque é óbvio que era comovente, foi para dar um sinal ao mundo. Naquele dia, houve a primeira reunião da Comissão Pré-Sinodal do Sínodo para a Amazónia, que será em 2019. Fiquei emocionado com o Lar «O Principezinho»: ver aquelas crianças, a maioria delas abandonadas, aqueles rapazes e aquelas moças que conseguiram, com a educação, singrar na vida. Entre eles havia profissionais. Isto comoveu-me muito: as obras que levantam uma pessoa, tal como as coisas de que falamos antes e que afundam uma pessoa. Da viagem, isto me comoveu tanto. E depois as pessoas, o calor das pessoas. Hoje o que era Lima só visto; é difícil de crer! O calor das pessoas... Eu digo: este povo tem fé e esta fé contagia-me a mim, e agradeço a Deus por isso. E agradeço a vós pelo trabalho que vos espera, preparando os artigos e as notícias que deveis fazer. Obrigado pela paciência e obrigado por terdes feito as perguntas certas. Muito obrigado.

Greg Burke

Obrigado, Santidade, pela sua paciência. Bom descanso, bom jantar. Obrigado!

 



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