DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS PARTICIPANTES DO SIMPÓSIO UNIVERSITÁRIO
"SERVICE-LEARNING E O PACTO EDUCATIVO GLOBAL"
Sala Clementina
Sábado, 9 de novembro de 2024
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O vosso encontro reveste-se de particular interesse para a Igreja, a quem São Paulo VI chamou «perita em humanidade» (Discurso à ONU, 1). Uma expressão bela, exigente, que requer sempre o compromisso para poder ser implementada na nossa ação educativa.
A este propósito, lembro-me do filme Dead Poets Society: conta-se a história da chegada de um professor com um método muito original a um famoso colégio. E este professor de literatura começa a sua primeira aula com um “golpe de teatro”: convida os alunos a levantar-se dos seus bancos e a olhar para a aula de outro ponto de vista. O episódio revela o que deveria ser a educação: não apenas transmissão de conteúdos — este é apenas um aspeto — mas transformação da vida. Não só repetição de fórmulas — como os papagaios — mas treinamento para ver a complexidade do mundo. Assim deve ser a educação!
Na pedagogia de Jesus, este estilo é muito claro: encontra-se numa das suas formas mais frequentes de ensino, ou seja, as parábolas. Narrando-as, o Senhor não fala de modo abstrato, que só pode ser compreendido por uma elite, mas de maneira simples, acessível a todos, e todos compreendem, todos. A parábola é uma história que permite ao ouvinte entrar na narrativa, participando e confrontando-se com os protagonistas. Jesus visa fazer com que o ouvinte não se limite a ser mero destinatário da mensagem, mas que se ponha em jogo pessoalmente.
Em relação a este estilo, a globalização atual comporta um risco para a educação, isto é, o nivelamento por determinados programas frequentemente submissos a interesses políticos e económicos. Esta uniformidade esconde formas de condicionamento ideológico, que falsificam a obra da educação, tornando-a instrumento para fins muito diferentes da promoção da dignidade humana e da busca da verdade. A ideologia “diminui” sempre, não permite que te desenvolvas. Diminui sempre. Por isso prestai atenção e defendei-vos das ideologias do momento.
Dado que «não podemos mudar o mundo, se não mudarmos a educação» (Discurso aos participantes no IV Encontro Scholas Occurrentes, 5 de fevereiro de 2015), devemos refletir juntos sobre a forma de iniciar e realizar esta mudança. A rede Uniservitate, do Centro Latinoamericano de Aprendizaje y Servicio Solidario, desenvolveu o método pedagógico do service-learning, ou “aprendizagem no serviço”, cultivando a responsabilidade comunitária dos estudantes através de projetos sociais, que fazem parte integrante do seu percurso de estudos. E, desta maneira, as instituições educativas católicas estão à altura do seu título. Para uma escola ou universidade, ser “católica” não se limita a acrescentar um adjetivo honorífico ao seu nome, mas significa o compromisso de cultivar um estilo pedagógico distinto e uma didática coerente com os ensinamentos do Evangelho. Não é ideologia evangélica, não, é humanismo, humanismo de acordo com o Evangelho!
Neste sentido, a Uniservitate responde com coerência às intenções do Pacto educativo global, cultivando itinerários formativos que sejam interessantes para todos. Já o repeti muitas vezes: um provérbio africano diz que para educar uma criança é preciso um povoado inteiro; então, construamos um “povoado educativo”, onde partilhar o compromisso de promover relações humanas positivas e culturalmente válidas.
Nesta proximidade, pode certamente amadurecer uma aliança educativa entre todos aqueles que contribuem para o crescimento da pessoa nas suas expressões científicas, políticas, artísticas, desportivas e outras. Com efeito, a educação não é uma atividade que termina quando saímos das salas de aula ou de uma biblioteca: a educação continua na vida, continua nos encontros e nos caminhos que percorremos todos os dias. Escutar o outro, refletir sobre o diálogo, este é o caminho da educação!
A aliança que vos convido a cultivar deve ser geradora de paz, justiça e acolhimento entre todos os povos, dilatando os seus efeitos salutares em colaborações cada vez mais intensas. E esta aliança poderá favorecer o diálogo entre as religiões e o cuidado da nossa casa comum. Estamos conscientes de que a tarefa não é fácil, mas é apaixonante! Educar é uma aventura, é uma grande aventura!
Perante este desafio, todas as escolas católicas, de qualquer ordem e grau, são chamadas a atuar com coragem as mudanças necessárias, orientando as suas atividades segundo o ensinamento de Jesus, nosso Mestre comum. Para apoiar a coesão das várias iniciativas, confio-vos em particular dois princípios tirados da Exortação apostólica Evangelii gaudium: «A realidade é superior à ideia» (nn. 231-233), sempre, e «o todo é superior à parte» (nn. 234-237).
Em primeiro lugar, os projetos pedagógicos devem pôr os alunos em contacto com a realidade que os circunda, para que, a partir da experiência, aprendam a transformar o mundo, não para o próprio benefício, mas com espírito de serviço. O contacto com a realidade, para não cair na ideia.
Em segundo lugar, a educação católica deve promover uma “cultura da curiosidade”. Ouvistes isto? Um grande sábio disse: cultura da curiosidade, que não é a mesma coisa que cultura da tagarelice, não, uma nada tem a ver com a outra. Cultura da curiosidade, valorizando a arte de fazer perguntas. É o que as crianças nos ensinam na idade dos “porquês”: “Pai, porquê? Mãe, porquê?”. Lembro-me de uma experiência que me tocou muito. Tinham-me levado para fazer uma operação, não sei como se chama aqui, nós dizemos nas amígdalas. Naquela época, não havia anestesia para isso e fazia-se de modo muito prático: o enfermeiro agarrava-te com as mãos, segurava-te para que não te mexesses, abriam-te a boca, e com duas pinças, zac, e pronto. E depois davam-te um gelado, um gelado para favorecer a coagulação. À saída, o pai chama um táxi e vamos para casa. No final, o pai paga. No dia seguinte, quando já podia falar, eu disse-lhe: “Pai, porque pagaste?”. “Porque...”, e ele explicou o que era o táxi. “Mas pai, todos os carros da cidade não são teus?”. “Não!”. E foi uma grande desilusão, porque o meu pai não era dono de todos os carros. Às vezes o “porquê” das crianças nasce da desilusão, da curiosidade. Ouvir as perguntas das crianças e aprender a fazê-las. Isso ajuda-nos muito! E a isto chamo cultura da curiosidade. As crianças são curiosas, no bom sentido da palavra. A arte de fazer perguntas.
Ajudemos os jovens nesta exploração de si e do mundo, sem reduzir o conhecimento à capacidade da mente, mas complementando-o com a destreza de mãos diligentes e a generosidade de um coração apaixonado. A educação não se faz apenas com a mente: faz-se com a mente, com o coração e com as mãos. Devemos aprender a pensar o que sentimos e fazemos, a sentir o que fazemos e pensamos, a fazer o que sentimos e pensamos. Isto é educação: a tripla linguagem!
Eis um bom caminho para ter êxito numa tarefa tão urgente. Reparai, num «mundo líquido — gosto desta definição — é necessário voltar a falar com o coração» (Carta enc. Dilexit nos, 9), pois «só a partir do coração as nossas comunidades conseguirão unir as diferentes inteligências e vontades e pacificá-las para que o Espírito nos guie como rede de irmãos» (ibid., 28). Hoje, o inimigo, talvez o maior inimigo, no caminho da maturidade, são as ideologias. As ideologias não nos fazem crescer, sejam de que tipo forem; são inimigas da maturidade!
Obrigado pelo vosso trabalho. O Senhor mantenha sempre viva em vós a paixão pela educação. Abençoo-vos de coração e peço-vos, por favor, que rezeis por mim!
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L'Osservatore Romano, Edição semanal em português, Ano LV, número 46, quinta-feira 14 de novembro de 2024, p. 2.
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