VIAGEM APOSTÓLICA DE SUA SANTIDADE FRANCISCO
à INDONÉSIA, PAPUA NOVA GUINÉ,
TIMOR-LESTE E SINGAPURA
(2 - 13 de setembro de 2024)
ENCONTRO COM OS BISPOS, SACERDOTES, DIÁCONOS, CONSAGRADOS/AS, SEMINARISTAS E CATEQUISTAS
DISCURSO DO SANTO PADRE
Catedral da Imaculada Conceição (Díli, Timor-Leste)
Terça-feira, 10 de setembro de 2024
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Prezados irmãos bispos,
Amados sacerdotes e diáconos,
consagradas, consagrados e seminaristas,
Queridos catequistas, irmãos e irmãs, bom dia!
Muitos dos mais jovens (seminaristas, jovens consagradas) ficaram do lado de fora. Por isso, logo que vi o senhor bispo [disse-lhe] que tem de aumentar a catedral porque é uma graça ter tantas vocações. Agradeçamos ao Senhor e agradeçamos também aos missionários que aqui estiveram antes de nós. Quando vimos este homem [Florentino de Jesus Martins de 89 anos, a quem o Papa disse que “tinha competido com o apóstolo São Paulo”], que foi catequista durante toda a vida, podemos compreender a graça da missão que lhe foi confiada. Agradeçamos ao Senhor por tal bênção dada a esta Igreja.
Estou feliz por me encontrar entre vós, no contexto de uma viagem na qual me vejo como peregrino nas terras do Oriente. Agradeço ao D. Norberto do Amaral as palavras que me dirigiu, recordando que Timor-Leste é um País “nos confins do mundo”. Também eu venho dos confins do mundo, mas vós mais do que eu. E quero dizer: esta terra, precisamente porque está nos confins do mundo, encontra-se no centro do Evangelho! Este é um paradoxo que temos de aprender: no Evangelho os limites são o centro, e uma Igreja que não é capaz de ir até aos confins e que se esconde no centro é uma Igreja muito doente. Mas, quando olha para fora, a Igreja envia missionários e vai para esses confins que são o centro, o centro de si mesma. Obrigado por estardes nos confins. Porque bem sabemos que, no coração de Cristo, as periferias da existência são o centro. O Evangelho está repleto de pessoas que se encontram nas margens, nas fronteiras, mas são convocadas por Jesus e tornam-se protagonistas da esperança que Ele nos veio trazer.
Alegro-me convosco e por vós, porque sois nesta terra os discípulos do Senhor. Pensando nas vossas canseiras e nos desafios que sois chamados a enfrentar, veio-me à mente um trecho muito sugestivo do Evangelho de João, que conta um episódio de ternura e intimidade ocorrido na casa dos amigos de Jesus: Lázaro, Marta e Maria (cf. Jo 12, 1-11). A certa altura, durante o jantar, Maria «ungiu os pés de Jesus com uma libra de perfume de nardo puro, de alto preço, e enxugou-lhos com os seus cabelos. A casa encheu-se com a fragrância do perfume» (v. 3).
Maria unge os pés de Jesus e aquele perfume difunde-se pela casa. Gostaria de me deter convosco precisamente nisto: o perfume, o perfume de Cristo e do seu Evangelho é um dom que possuís, um dom que vos foi dado gratuitamente, mas que deveis guardar e que todos juntos somos chamados a difundir. Guardar o perfume, o dom do Evangelho que o Senhor concedeu a esta terra de Timor-Leste, e difundir o perfume.
Primeiro, guardar o perfume. Temos sempre necessidade de voltar à origem, à origem do dom recebido, do nosso ser cristãos, sacerdotes, consagrados ou catequistas. Recebemos a própria vida de Deus através de Jesus, seu Filho, que morreu por nós e nos deu o Espírito Santo. Fomos ungidos com o Óleo da alegria e, escreve o apóstolo Paulo, «somos para Deus o bom odor de Cristo» (2 Cor 2, 15).
Queridas irmãs, queridos irmãos, vós sois o perfume de Cristo! E este símbolo não vos é estranho: aqui em Timor, efetivamente, crescem em abundância árvores de sândalo, com o seu perfume muito apreciado e procurado também por outros povos e Nações. A própria Bíblia enaltece o seu valor, quando narra que a Rainha de Sabá visitou o Rei Salomão, oferecendo-lhe madeira de sândalo (cf. 1 Rs 10, 12). Não sei se a Rainha de Sabá, antes de ir ter com Salomão, não teria feito uma paragem em Timor-Leste e levado o sândalo daqui!
Irmãos e irmãs, vós sois o perfume de Cristo, um perfume muito mais precioso do que os perfumes franceses! Vós sois o perfume de Cristo, o perfume do Evangelho neste país. Como uma árvore de sândalo, de folha perene, sempre viçosa, que cresce e dá frutos, também vós sois discípulos missionários, perfumados com o Espírito Santo para inebriar a vida do santo povo fiel de Deus.
Não esqueçamos, porém, uma coisa: o perfume recebido do Senhor deve ser guardado com muito cuidado, como Maria de Betânia o tinha reservado, conservado, precisamente para Jesus. Do mesmo modo, nós devemos guardar o amor. Não esqueçais esta frase: devemos guardar o amor, com que o Senhor perfumou a nossa vida, para que não se dissipe nem se perda o seu aroma. E o que significa isto? Significa ter consciência do dom recebido – tudo o que temos é um dom, é necessário ter consciência disso –, recordar que o perfume não é para nós, mas para ungir os pés de Cristo, anunciando o Evangelho, servindo os pobres; significa vigiar sobre nós mesmos, porque a mediocridade e a tibieza espiritual andam sempre à espreita. Lembro-me duma coisa que dizia o Cardeal De Lubac sobre a mediocridade e a mundanidade: “O pior que pode acontecer às mulheres e aos homens de Igreja é cair na mundanidade, na mundanidade espiritual”. Tende cuidado e conservai este perfume que nos dá tanta vida.
E gostaria de acrescentar uma outra coisa: olhamos com gratidão para a história que nos precedeu, para a semente da fé aqui lançada pelos missionários. As três pessoas que nos falaram: a Irmã que viveu aqui toda a sua vida consagrada; o sacerdote que soube acompanhar o seu povo nos tempos difíceis da dominação estrangeira; e o diácono cuja língua não se deteve no anúncio do Evangelho e no Batismo. Pensemos nestes três exemplos – representam a história da nossa Igreja – e amemos quanto nos precede. É a semente que aqui foi lançada, como o são as escolas de formação de agentes pastorais, e tantas outras coisas. Mas será isto suficiente? Efetivamente, devemos sempre alimentar a chama da fé. Por isso, gostaria de vos dizer: não vos descuideis de aprofundar a doutrina do Evangelho, de amadurecer a partir da formação espiritual, catequética e teológica; porque tudo isto serve para anunciar o Evangelho nesta vossa cultura e, ao mesmo tempo, para a purificar de formas arcaicas, por vezes supersticiosas. A pregação da fé deve inculturar-se na vossa cultura, e a vossa cultura deve ser evangelizada. E isto aplica-se a todos os povos, não apenas ao vosso. Se uma Igreja não for capaz de inculturar a fé nem de a exprimir com os valores próprios dessa terra, será uma Igreja eticista e sem fecundidade. Há tantas coisas belas na vossa cultura! Penso, especialmente, na fé na ressurreição e na presença das almas dos defuntos; mas tudo isto deve ser sempre purificado à luz do Evangelho e da doutrina da Igreja. Por favor, empenhai-vos neste sentido, porque toda a cultura e todo o grupo social necessitam de purificação e amadurecimento.
E chegamos ao segundo ponto: difundir o perfume. A Igreja existe para evangelizar, e nós somos chamados a levar aos outros o doce perfume da vida, a vida nova do Evangelho. Maria de Betânia não usa o precioso nardo para se perfumar a si mesma, mas para ungir os pés de Jesus, e assim espalha o aroma por toda a casa. Além disso, o Evangelho de Marcos especifica que Maria, para ungir Jesus, parte o frasco de alabastro que continha o unguento perfumado (cf. 14, 3). A evangelização acontece quando temos a coragem de “partir” o frasco que contém o perfume, de quebrar a “casca” que muitas vezes nos fecha em nós mesmos e de sair de uma religiosidade preguiçosa e cómoda, vivida apenas para as necessidades pessoais. Gostei muito da expressão que a Rosa utilizou, ao falar de uma Igreja em movimento, uma Igreja que não está parada, que não gira em torno de si mesma, mas que é abrasada pela paixão de levar a alegria do Evangelho a todos.
Também o vosso país, radicado numa longa história cristã, precisa hoje de um renovado impulso na evangelização, para que chegue a todos o perfume do Evangelho: um perfume de reconciliação e de paz, depois dos sofridos anos da guerra; um perfume de compaixão, que ajude os pobres a reerguerem-se e que suscite o empenho em levantar os destinos económicos e sociais do país; um perfume de justiça contra a corrupção. Atenção! Muitas vezes a corrupção pode entrar nas nossas comunidades, nas nossas paróquias. E, em particular, o perfume do Evangelho deve ser difundido contra tudo o que humilha, deturpa e até destrói a vida humana, contra as chagas que geram vazio interior e sofrimento, como o alcoolismo, a violência e a falta de respeito pela mulher. O Evangelho de Jesus tem o poder de transformar estas realidades obscuras e gerar uma sociedade nova. Perante o fenómeno da falta de respeito pelas mulheres, a mensagem que vós, consagradas, ofereceis é a de que as mulheres são a parte mais importante da Igreja, porque cuidam dos mais necessitados: envolvem-nos de atenção, acompanham-nos. Acabei de visitar aquela linda casa de acolhimento dos mais pobres e necessitados [a Escola “Irmãs Alma” para crianças com deficiência]. Irmãs, sede mães do povo de Deus; animai-vos em “dar à luz” comunidades. Sede mães! É o que vos peço.
Queridas irmãs, queridos irmãos, precisamos deste impulso do Evangelho; e, por isso, hoje são necessários consagradas, consagrados, sacerdotes, catequistas apaixonados, catequistas preparados e criativos. Na missão, é necessária a criatividade. E pelo seu testemunho como catequista, agradeço ao senhor Florentino. Muito edificante! Dedicou grande parte da sua vida a este belíssimo ministério. E particularmente aos sacerdotes, quero dizer o seguinte: soube que o povo se dirige a vós com muito carinho, chamando-vos “Amu”, que é o título mais importante entre vós e significa “senhor”. Mas isso não deve provocar em vós um sentimento de superioridade em relação ao povo: vós vindes do povo, nascestes de mães do povo, crescestes com o povo. Não esqueçais a cultura do povo que recebestes. Não sois superiores. Nem deveis ser induzidos à tentação do orgulho e do poder. E sabeis como começa a tentação do poder? A minha avó dizia-me: “O diabo entra sempre pelos bolsos” [em italiano]; é por aqui que o diabo entra, entra sempre pelos bolsos. Por favor, não penseis no ministério como um prestígio social. O ministério é um serviço. E se algum de vós não se sente um servidor do povo, deve ir aconselhar-se com um sacerdote sábio para o ajudar a adquirir esta dimensão tão importante. Lembremo-nos disto: com o perfume se ungem os pés de Cristo, que são os pés dos nossos irmãos na fé, a começar pelos mais pobres. Os privilegiados são os mais pobres. E é com esse perfume que temos de cuidar deles. É eloquente o gesto que, aqui, os fiéis têm quando encontram os sacerdotes: tomam a vossa mão consagrada e aproximam-na da fronte em sinal de bênção. É bonito ver neste sinal o afeto do povo santo de Deus, porque o padre é um instrumento de bênção: nunca, nunca o sacerdote deve aproveitar-se da sua função, mas deve sempre abençoar, consolar, ser ministro de compaixão e sinal da misericórdia de Deus. E talvez o sinal de tudo isto seja o padre pobre. Amai a pobreza como vossa esposa.
Queridos irmãos, um diplomata português do século XVI, Tomé Pires, escreveu assim: «Os comerciantes malaios dizem que Deus criou Timor para o sândalo» (The Summa Oriental, Londres 1944, 204). Nós, porém, sabemos que existe um outro perfume. Além do sândalo, existe um outro: é o perfume de Cristo, o perfume do Evangelho, que enriquece a vida e a enche de alegria.
Vós, sacerdotes, diáconos, consagradas: não desanimeis! Como nos recordou o Padre Sancho no seu comovente testemunho: «Deus sabe cuidar daqueles que Ele chamou e enviou para a missão». Nos momentos de grande dificuldade, pensai nisto: Ele acompanha-nos. Deixemo-nos acompanhar pelo Senhor, num espírito de pobreza e de serviço. Abençoo-vos do fundo do meu coração. E peço-vos o favor de não vos esquecerdes de rezar por mim. Obrigado.
E gostaria de terminar com um obrigado, um grande agradecimento aos vossos idosos: aos sacerdotes idosos que nesta terra se gastaram; às consagradas idosas aqui presentes, que são extraordinárias e deram as suas vidas. Eles são o nosso modelo. Obrigado!
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