VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II A CUBA
(21 A 26 DE JANEIRO DE 1998)
SANTA MISSA CELEBRADA NA PRAÇA JOSÉ MARTÍ DE HAVANA
25 de Janeiro de 1998
1. «Este é um dia consagrado ao Senhor, vosso Deus; não vos entristeçais nem choreis» (Ne 8, 9). Com grande alegria presido à Santa Missa na Praça «José Martí», no domingo, dia do Senhor, que deve ser dedicado ao descanso, à oração e à convivência familiar. A Palavra de Deus convoca-nos para crescermos na fé e celebrarmos a presença do Ressuscitado no meio de nós, que «fomos baptizados num mesmo Espírito, a fim de formarmos um só corpo» (1 Cor 12, 13), o Corpo místico de Cristo que é a Igreja. Jesus Cristo une todos os baptizados. D'Ele flui o amor fraterno tanto entre os católicos cubanos como entre os que vivem em qualquer outra parte, porque são «corpo de Cristo e cada um é seu membro» (1 Cor 12, 27). A Igreja em Cuba, pois, não está sozinha nem isolada, mas faz parte da Igreja universal espalhada pelo mundo inteiro.
2. Saúdo com afecto o Cardeal Jaime Ortega, Pastor desta Arquidiocese, e agradeço-lhe as amáveis palavras com que, no início desta celebração, me apresentou as realidades e as aspirações que marcam a vida desta comunidade eclesial. Saúdo de igual modo os Senhores Cardeais aqui presentes, vindos de diferentes lugares, assim como todos os meus Irmãos Bispos de Cuba e de outros Países, que quiseram participar nesta solene celebração. Saúdo cordialmente os sacerdotes, religiosos, religiosas e os fiéis reunidos em tão grande número. A cada um asseguro o meu afecto e proximidade no Senhor. Saúdo com deferência o Senhor Presidente, Doutor Fidel Castro Ruz, que quis participar nesta Santa Missa.
Agradeço também a presença das autoridades civis que hoje quiseram vir aqui e estou-lhes reconhecido pela cooperação prestada.
3. «O Espírito do Senhor está sobre Mim, porque Me ungiu, para anunciar a Boa Nova» (Lc 4, 18). Todo o ministro de Deus tem que fazer suas na própria vida estas palavras, que Jesus pronunciou em Nazaré. Por isso, ao estar entre vós quero dar-vos a boa nova da esperança em Deus. Como servidor do Evangelho trago-vos esta mensagem de amor e de solidariedade que Jesus Cristo, com a Sua vinda, oferece aos homens de todos os tempos. Não se trata de modo algum de uma ideologia nem de um sistema económico ou político novo, mas de um caminho de paz, justiça e liberdade verdadeiras.
4. Os sistemas ideológicos e económicos, que se sucederam nos dois últimos séculos, com frequência potenciaram o confronto como método, já que continham nos seus programas os germes da oposição e da desunião. Isto condicionou profundamente a sua concepção do homem e as suas relações com os outros. Alguns desses sistemas pretenderam também reduzir a religião à esfera meramente individual, despojando-a de toda a influência ou relevância social. Neste sentido, cabe recordar que um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um dos seus ordenamentos políticos. O Estado, longe de todo o fanatismo ou secularismo extremo, deve promover um sereno clima social e uma legislação adequada, que permita a cada pessoa e a cada confissão viver de maneira livre a sua fé, expressá-la nos âmbitos da vida pública e contar com os meios e espaços suficientes para oferecer à vida nacional as suas riquezas espirituais, morais e cívicas.
Por outro lado, ressurge em vários lugares uma forma de neoliberalismo capitalista que subordina a pessoa humana e condiciona o desenvolvimento dos povos às forças cegas do mercado, impondo um gravame, a partir dos seus centros de poder, aos povos menos favorecidos com ônus insuportáveis. Assim, por vezes, impõem-se às nações, como condições para receber novas ajudas, programas económicos insustentáveis. Deste modo, assiste-se no concerto das nações ao enriquecimento exagerado de poucos à custa do empobrecimento crescente de muitos, de forma que os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.
5. Queridos irmãos: a Igreja é mestra em humanidade. Por isso, perante estes sistemas, ela propõe a cultura do amor e da vida, devolvendo à humanidade a esperança no poder transformador do amor, vivido na unidade querida por Cristo. Para isso deve-se percorrer um caminho de reconciliação, de diálogo e de acolhimento fraterno do próximo, de todo o próximo. Pode-se dizer que este é o Evangelho social da Igreja.
A Igreja, ao levar a cabo a sua missão, propõe ao mundo uma justiça nova, a justiça do Reino de Deus (cf. Mt 6, 33). Em diversas ocasiões referi-me aos temas sociais. É preciso continuar a falar disto, enquanto no mundo existir uma injustiça, por pequena que seja, pois do contrário a Igreja não seria fiel à missão confiada por Jesus Cristo. Está em jogo o homem, a pessoa concreta. Ainda que os tempos e as circunstâncias mudem, há sempre quem necessita da voz da Igreja, para que sejam reconhecidos as suas angústias, os seus sofrimentos e as suas misérias. Os que se encontram nestas circunstâncias podem estar certos de que não serão defraudados, pois a Igreja está com eles e o Papa abraça, com o coração e com a sua palavra de alento, todo aquele que sofre a injustiça.
João Paulo II, depois de ter sido longamente aplaudido, acrescentou:
Não sou contrário aos aplausos, porque quando aplaudis o Papa pode descansar um pouco.
Os ensinamentos de Jesus conservam íntegro o seu vigor no limiar do ano 2000. São válidos para todos vós, meus queridos irmãos. Na busca da justiça do Reino não podemos deter-nos diante das dificuldades e incompreensões. Se o convite do Mestre à justiça, ao serviço e ao amor é acolhido como Boa Nova, então o coração alarga-se, transformam-se os critérios e nasce a cultura do amor e da vida. Esta é a grande transformação que a sociedade necessita e espera; e só poderá ser alcançada se antes se produzir a conversão do coração de cada um, como condição para as necessárias mudanças nas estruturas da sociedade.
6. «O Espírito do Senhor enviou-Me para proclamar a libertação aos cativos... a mandar em liberdade os oprimidos» (Lc 4, 18). A boa nova de Jesus deve ser acompanhada de um anúncio de liberdade, apoiada sobre o sólido fundamento da verdade: «Se permanecerdes na Minha palavra, sereis verdadeiramente Meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade libertar-vos-á» (Jo 8, 31-32). A verdade a que se refere Jesus não é só a compreensão intelectual da realidade, mas a verdade sobre o homem e a sua condição transcendente, sobre os seus direitos e deveres, sobre a sua grandeza e os seus limites. É a mesma verdade que Jesus proclamou com a Sua vida, reafirmou perante Pilatos e, com o Seu silêncio, diante de Herodes; é a mesma que O levou à cruz salvadora e à Sua ressurreição gloriosa.
A liberdade, que não se funda na verdade, condiciona de tal forma o homem que algumas vezes o faz objecto e não sujeito do seu contexto social, cultural, económico e político, deixando-o quase sem nenhuma iniciativa para o seu desenvolvimento pessoal. Outras vezes essa liberdade é de aspecto individualista e, não tendo em conta a liberdade dos outros, encerra o homem no seu egoísmo. A conquista da liberdade na responsabilidade é uma tarefa imprescindível para toda a pessoa. Para os cristãos, a liberdade dos filhos de Deus não é somente um dom e uma tarefa, mas alcançá-la supõe um inestimável testemunho e um genuíno contributo no caminho da libertação de todo o género humano. Esta libertação não se reduz aos aspectos sociais e políticos, mas encontra a sua plenitude no exercício da liberdade de consciência, base e fundamento dos outros direitos humanos.
Respondendo à invocação feita pela multidão:
«O Papa vive e quer-nos todos livres!», Sua Santidade disse:
Sim, vive com aquela liberdade para a qual Cristo vos libertou.
Para muitos dos sistemas políticos e económicos hoje vigentes, o maior desafio continua a ser o conjugar liberdade e justiça, liberdade e solidariedade, sem que nenhuma fique relegada a um plano inferior. Neste sentido, a Doutrina Social da Igreja é um esforço de reflexão e proposta, que procura iluminar e conciliar as relações entre os direitos inalienáveis de cada homem e as exigências sociais, de modo que a pessoa alcance as suas aspirações mais profundas e a sua realização integral, segundo a sua condição de filho de Deus e de cidadão. Eis por que o laicado católico deve contribuir para esta realização, mediante a aplicação dos ensinamentos sociais da Igreja nos diversos ambientes, abertos a todos os homens de boa vontade.
7. No Evangelho proclamado hoje aparece a justiça intimamente ligada à verdade. Assim se vê também no pensamento lúcido dos pais da Pátria. O Servo de Deus Padre Félix Varela, animado pela fé cristã e a fidelidade ao ministério sacerdotal, semeou no coração do povo cubano as sementes da justiça e da liberdade, que ele sonhava ver florescer numa Cuba livre e independente.
A doutrina de José Martí sobre o amor entre todos os homens tem raízes profundamente evangélicas, superando assim o falso conflito entre a fé em Deus e o amor e o serviço à Pátria. Escreve este prócer: «Pura, desinteressada, perseguida, martirizada, poética e simples, a religião do Nazareno seduziu todos os homens honrados... Todo o povo necessita ser religioso. Deve sê-lo não só na sua essência, mas também pela sua utilidade... Um povo irreligioso morrerá, porque nada nele alimenta a virtude. As injustiças humanas desprezam-na; é necessário que a justiça celeste a garanta».
Como sabeis, Cuba tem uma alma cristã e isso levou-a a ter uma vocação universal. Chamada a vencer o isolamento, deve abrir-se ao mundo e o mundo deve aproximar-se de Cuba, do seu povo, dos seus filhos que, sem dúvida, são a sua maior riqueza. Esta é a hora de empreender os novos caminhos que exigem os tempos de renovação que vivemos, ao aproximar-se o Terceiro Milénio da era cristã!
8. Queridos irmãos: Deus abençoou este povo com verdadeiros formadores da consciência nacional, claros e firmes expoentes da fé cristã, como o mais valioso sustentáculo da virtude e do amor. Hoje os Bispos, com os sacerdotes, religiosos, religiosas e fiéis leigos, esforçam-se por construir pontes para aproximar as mentes e os corações, propiciando e consolidando a paz, preparando a civilização do amor e da justiça. Estou no meio de vós como mensageiro da verdade e da esperança. Por isso quero repetir o meu apelo a deixar-vos iluminar por Jesus Cristo, a aceitardes sem reservas o esplendor da Sua verdade, para que todos possam empreender o caminho da unidade por meio do amor e da solidariedade, evitando a exclusão, o isolamento e o conflito, que são contrários à vontade do Deus-Amor.
Que o Espírito Santo ilumine com os seus dons todos os que têm diversas responsabilidades sobre este povo, que levo no coração. E que a Virgem da Caridade do Cobre, Rainha de Cuba, obtenha para os seus filhos os dons da paz, do progresso e da felicidade.
Este vento de hoje é muito significativo, porque o vento é símbolo do Espírito Santo. «Spiritus spirat ubi vult, Spiritus vult spirare in Cuba». Digo as últimas palavras em latim, porque Cuba também pertence à tradição latina. A América Latina, Cuba latina, língua latina! «Spiritus spirat ubi vult et vult Cubam». Até à próxima!
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