VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE A PARIS E LISIEUX
(30 DE MAIO - 2 DE JUNHO 1980)
DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
AOS REPRESENTANTES
DOS MOVIMENTOS DE APOSTOLADO
Nunciatura Apostólica
Paris, 31 de Maio de 1980
Caros amigos
1. Sinto-me felicíssimo por encontrar-me esta tarde com os responsáveis nacionais dos movimentos de apostolado dos Leigos. Para além das vossas pessoas, saúdo cordialmente e animo todos os membros das vossas associações e os seus assistentes. Como a vossa simples apresentação manifesta, o apostolado dos leigos floresce na França em grandíssima variedade. Sei que não é somente o génio bem cartesiano, de distinguir os diversos aspectos das coisas, que leva os vossos compatriotas neste sentido; mas bem mais o cuidado de corresponder o melhor possível quer às tarefas diferenciadas da Igreja, quer às situações de vida e idade, quer ainda aos meios de vida, sociais e profissionais. Assim a revisão de vida pode ganhar em precisão; e a acção em eficácia profunda. Reconheço nisso o sinal de um dinamismo e de uma riqueza que me levam a felicitar-vos.
2. Embora cada movimento tenda para o seu objectivo, com os seus métodos próprios e no seu sector ou no seu meio, é contudo importante que tomeis consciência da vossa complementaridade e estabeleçais laços entre os movimentos: não só estima mútua e dialogo, mas certa harmonização e mesmo real colaboração. A isto sois convidados em nome da vossa fé comum, em nome de pertencerdes todos ao povo de Deus, e mais precisamente à mesma Igreja local, e em nome das mesmas perspectivas essenciais do apostolado, diante dos mesmos problemas que estão diante da Igreja e da sociedade. Sim, é frutuoso tomar consciência de que a especialização dos vossos movimentos permite geralmente catar em profundidade um aspecto das realidades, mas também que ela requer outras formas complementares de apostolado. E depois vós não podeis nunca esquecer que, além das vossas, associações, há o grande povo de baptizados, de confirmados e de fiéis "praticantes" que, mesmo sem se inscrever num movimento, exerce pessoalmente um apostolado real de cristão, um apostolado de Igreja, nas suas famílias, nas pequenas comunidades e especialmente nas paróquias, por meio do exemplo e aplicando-se a múltiplas tarefas apostólicas: como não mencionar aqui o belo serviço da catequese a que tantos leigos consagram na França parte do coração e do tempo, serviço que necessita aliás de uma formação contínua? Numa palavra, a acção do vosso movimento toma lugar num conjunto, e sei que muitos dentre vós têm aliás cuidado de organizar grupos de encontro com os outros movimentos ou com os outros cristãos aplicados ao apostolado, por exemplo, ao nível da paróquia; ao nível da diocese o Conselho pastoral deveria contribuir para isso—; e no plano nacional, não é uma das incumbências do Secretariado do Apostolado dos leigos? Seja como for, é-nos oferecida, esta tarde, ocasião maravilhosa de reunir nas vossas pessoas grande parte do laicado organizado, o que é símbolo da vossa vocação para trabalhar em conjunto, para viver em comunhão.
3. Não podendo infelizmente reservar uma palavra especial para cada movimento ou grupo de movimentos, vou-me contentar com insistir nalgumas perspectivas que fazem parte integrante dos fundamentos e orientações de cada associação de cristãos: a vossa vocação. de leigos, a vossa obra de evangelização, a vossa identidade católica, a vossa integração na Igreja, e a vossa oração.
E, antes de tudo, vale a pena repetir-vos até que ponto a Igreja — e o Papa em seu nome — conta com o vosso apostolado de leigos? O trabalho que vos toca como próprio na Igreja é essencial: ninguém vos substituirá nele, nem os sacerdotes nem as religiosas que eu não deixo, bem o sabeis, de animar na missão especifica que lhes pertence. Pregadores e educadores da fé, os sacerdotes estão prontos para vos ajudar a impregnar a vossa vida do espírito do Evangelho e para unir a oferta espiritual da vossa vida à de Cristo; o papel deles é indipensável e vós deveis ter muito a peito, vós também, as vocações sacerdotais. Do mesmo modo os religiosos e as religiosas estão prontos para dar testemunho das bem-aventuranças e do amor sem partilhas por Cristo. Peço-lhes que actuem como sacerdotes, como religiosos; e vós, vós deveis actuar como verdadeiros leigos, responsáveis dias inteiros por tarefas familiares, sociais e profissionais, em que vós encarnais a presença e o testemunho de Cristo, em que procurais fazer deste mundo e das suas estruturas um mundo mais digno dos filhos de Deus. Assim exercitais vós como cristãos todas as vossas capacidades de homens; e do mesmo modo as senhoras, que têm hoje de exercer um magnífico papel no apostolado, com todos os seus recursos de feminilidade, num mundo em que têm e tomam cada vez mais o seu lugar e suas responsabilidades. Em poucas palavras, participais todos na missão da Igreja, na sua missão profética, sacerdotal e régia, em virtude do vosso baptismo e da vossa confirmação.
Bendito o Concílio Vaticano II que pôs na devida luz a vossa "vocação de leigos", articulando-a com a vida do conjunto do povo de Deus! Não preciso já de vos citar a Constituição Lumen Gentium (nn. 30-38) nem o decreto Apostolicam actuositatem que devem manter-se como carta dos vossos direitos e deveres, na Igreja.
Em Cracóvia, trabalhámos juntos no sínodo, durante anos, com os leigos, para melhor ser assimilado e vivido o Concílio. Eu era também, por benevolência de Paulo VI, membro do Conselho pontifício para os leigos. E em Roma, procuro encontrar tempo para receber o mais possível, os grupos de leigos.
Permiti-me insistir no vosso esplêndido papel, no vosso papel indispensável embora já estejais bem persuadidos e embora provavelmente os vossos movimentos conheçam ainda uma vitalidade e frutos que dão ânimo. Mas, conheço também as dificuldades que hoje encontra o vosso apostolado. Provêm do mundo que ambicionais evangelizar: está muito marcado pela secularização, digamos mesmo pela incredulidade, e também pelo embotamento do sentido moral, sem contar os problemas agudos que apresentam certas condições de vida e as mutações sociais. Mas as dificuldades podem também afectar os vossos movimentos em si e os seus membros, devido por exemplo a uma hesitação maior em tomar compromissos actualmente, ou ainda porque certos movimentos experimentaram sufocação e desvios, talvez por terem descurado um dos elementos de que vou falar. Apesar de tudo isto, porém, o apostolado organizado, que vos está entregue, sem negar o lugar das outras formas de apostolado, continua a ser hoje um instrumento de que ninguém deve depreciar a importância para a evangelização.
4. A evangelização é bem realmente a finalidade comum de todos os vossos movimentos. É por definição o fio condutor dos vossos programas de acção católica ou de movimentos de espiritualidade; mas é também verdade para os movimentos cristãos de actividades culturais e para os movimentos sócio-caritativos, porque se trata afinal de fazer obra de educação cristã ou de testemunhar a ternura de Deus e formar os corações para a caridade.
Toda a exortação apostólica Evangelii nuntiandi do meu predecessor Paulo VI ilustra magnificamente o sentido e os caminhos da evangelização. Vós sois chamados a ser testemunhas da Boa Nova da salvação em Jesus Cristo, a contribuir para a conversão da consciência pessoal e colectiva dos homens. Assim permitis-lhes viver em Igreja — o que supõe testemunho de vida, anúncio explícito, catequese, vida sacramental e comunitária, educação para o compromisso cristão —, e, por outro lado, impregnais o mundo dos valores do Evangelho na perspectiva do Reino de Deus. O vosso apostolado anuncia portanto Jesus Cristo no coração da vida familiar, profissional, social e política; orienta os esforços que são feitos para criar as melhores condições de vida, mais conformes à justiça, à paz, à verdade e à fraternidade. Mas o testemunho dos vossos movimentos não se pode confundir com uma obra técnica, económica ou política. Visa com efeito a "tornar nova a humanidade mesma,... (e) não há humanidade nova se não há primeiramente homens novos com a novidade do baptismo e da vida segundo o Evangelho" (Evangelii nuntiandi , n. 18), segundo a justiça, a paz e o amor de Cristo.
5. Esta missão exaltadora e exigente requer que os membros dos vossos movimentos fortifiquem sem cessar a sua identidade cristã e católica, sem a qual não poderiam ser as testemunhas de que falámos. Certamente o diálogo apostólico supõe o esforço de olhar e analisar atentamente as realidades vividas pelos nossos contemporâneos; mas ao mesmo tempo pede sempre um discernimento crítico para separar o bom grão do joio. O diálogo apostólico convida a reconhecer as pedras de espera e mesmo os sinais do Espírito Santo a trabalhar no coração das pessoas; mas isto supõe precisamente o olhar de uma fé aprofundada e o cuidado de uma purificação e de uma revelação em plenitude. Por isso, aprovo com ardor todos os esforços que fazem os vossos movimentos para favorecer o aprofundamento da fé, graças a uma reflexão doutrinal sobre Cristo, a Igreja e o homem resgatado por Cristo; e uma verdadeira investigação espiritual. Porque, afinal, o diálogo apostólico parte da fé e supõe uma identidade cristã firme. Isto é tanto mais necessário, disso tendes experiência, quanto mais a vossa actividade apostólica vos mergulha num mundo mais secularizado, quanto mais delicadas são as questões levantadas, quanto os que se oferecem hoje a militar nos vossos movimentos estão, apesar da grande generosidade, menos assegurados na sua fé, menos sustentados por estruturas cristãs e mais sensíveis às ideologias estranhas à fé.
6. Não podeis fortificar a vossa identidade católica sem fortificar a vossa adesão ao povo de Deus, nas suas consequências práticas. Significa isto ter consciência de que todo o vosso ser cristão vos vem pela Igreja — fé, vida divina, sacramentos e vida de oração —, de que a experiência da Igreja durante séculos nos alimenta e nos ajuda a andar por caminhos em parte novos; de que o Magistério é dada à Igreja para garantir a sua autenticidade, a sua unidade e o seu caminhar coerente e seguro. Mais ainda que isto; desejo eu que os vossos leigos aprendam a amar a Igreja como Mãe, e que se sintam felizes e briosos em ser seus filhos e seus membros activos. E, como vos dizia no princípio, o espírito da Igreja deve levar-vos a procurar o diálogo e a colaboração com as outras associações, com o conjunto do povo de Deus, de que não sois separáveis e ao serviço do qual vos encontrais. Por outro lado, convidei-vos a tomar a vossa responsabilidade de leigos: está esta necessariamente ligada à do sacerdote que deve manter o seu lugar, nas vossas equipas, como sacerdote, como sinal de Cristo Cabeça, participando da Sua mediação, e como sinal da Igreja que ultrapassa sempre a vida da equipa ou do movimento.
Do mesmo modo, colocados como responsáveis nacionais na cúpula dos vossos movimentos, vós sabereis conjugar a unidade de programa e de acção com a flexibilidade, permitindo uma acção adaptada e responsável a todos os níveis Sobretudo terão a peito os vossos movimentos entrar nas perspectivas da Igreja local, da Igreja universal, pelo vossa comunhão confiante com os vossos Bispos e com o Sucessor de Pedro. Sei e aprecio que, a nível nacional; este laço se manifeste especialmente com os Bispos das Comissões episcopais especializadas nos vossos problemas.
7. Termino animando-vos a ser homens e mulheres de oração. Porque é o Espírito de Deus que deve ser a alma do vosso apostolado, impregnar os vossos pensamentos, os vossos desejos e as vossas acções: purificá-las, elevá-las. Os leigos são chamados, como os padres e os religiosos, à santidade; a oração é o caminho privilegiado para ela: E depois tendes múltiplas ocasiões para dar graças e interceder por todos quantos encontrais nos vossos caminhos. Soube com grande prazer que há em França verdadeiro renovamento da oração, que se traduz, entre outras coisas, no florescimento de grupos de oração, mas que afecta ainda, assim espero, a vida dos vossos movimentos. Deus seja louvado! A Virgem acompanhe sempre o apostolado que vós exercitais em nome do seu Filho. E eu, exprimindo-vos a minha confiança e a minha alegria, abençoo-vos de todo o coração, assim como todos os membros dos vossos movimentos, e as vossas famílias.
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