CONFERÊNCIA DE IMPRENSA
DURANTE O VOO DE REGRESSO A ROMA
Domingo, 20 de janeiro de 2019
Alessando Gisotti:
Boa noite! Santo Padre, ressoa ainda nos nossos ouvidos o grito «la juventud del Papa», «la juventud de Jesucristo», dito também por D. Ulloa [Arcebispo do Panamá]. Aquela alegria grande, intensa destes dias, que nos deram tanta energia. Acho que todos nós vimos no seu rosto a alegria deste encontro, bem como nos rostos dos jovens. Trouxe comigo algo que muitos jornalistas – talvez quase todos – conhecem: não se trata dum documento que entre no magistério do Papa, mas sei que é um documento que lhe está muito a peito. É uma canção escrita por uma jovem das Honduras, Martha Avila, cuja foto vos dei ontem. Praticamente trata-se duma canção contra o bullying, constituindo de certo modo o resultado dum encontro com Scholas Occurrentes. Digo isto para assinalar como, a par do elemento «alegria» que vimos em muitas ocasiões, esteve presente também o elemento «dor» destes jovens. Quero referir apenas uma imagem que me impressionou muito: quando o Santo Padre passava no papamóvel, eu vi muitos jovens que, depois de o saudarem (talvez só por um momento!), se abraçavam. Isto tocou-me: a partilha da alegria, isto é, os jovens que se abraçavam depois de o terem visto mesmo só por um momento. Talvez nisto esteja uma lição para nós, adultos. Os jovens, quando estão felizes, partilham a alegria, não a guardam para si: isto é algo que queria partilhar com Vossa Santidade e com os jornalistas.
Santo Padre, uma das muitas surpresas que nos fez nestes dias foi o encontro com a Unicef, mesmo nos últimos momentos antes da despedida, na Nunciatura.
Não sei se, antes de passar a palavra aos jornalistas para as perguntas, Vossa Santidade quer também dirigir algumas palavras de saudação…
Papa Francisco:
Boa noite e também bom descanso, porque certamente todos estão cansados, depois desta viagem tão intensa. Obrigado pelo vosso trabalho! Também para mim houve coisas que não imaginava, surpresas, como esta que Gisotti referiu a propósito da jovem com dezasseis anos de idade das Honduras, vítima de bullying, que cantou com uma linda voz a canção que ela mesma escreveu. E ainda o encontro, antes de sair da Nunciatura, com pessoas da Unicef da América Central, constando de alguns testemunhos de dois adolescentes e também daqueles que lá trabalham: ouvi coisas que tocam o coração. Foi uma viagem intensa. Passo-vos a palavra…
Gisotti:
Uma viagem, que tem muitas viagens dentro; peço, pois, para vos cingirdes ao tema desta grande viagem que nos apresentou o mundo através dos jovens que estavam presentes. Obviamente, a primeira palavra cabe à imprensa local, no Panamá: Edwin Cabrera Uribe, de Radiopanamá. Dirigir-lhe-á duas perguntas em nome de todo o grupo dos jornalistas panamenses. Obrigado, Edwin!
Edwin Cabrera Uribe:
Santo Padre, antes de mais nada, muito obrigado, em nome dos meus seis colegas e meu, como panamenses. A prenda que nos deu é grande, muito grande. Agora, a pergunta: Santo Padre, hoje falou aos voluntários dizendo-lhes que viveram uma missão; sim, uma missão. Disse-lhes: «Agora sabeis como bate o coração quando se vive uma missão». A minha pergunta: E a missão do Papa Francisco no Panamá? O que lhe tocou? O que lhe comoveu? O Papa Francisco cumpriu a sua missão na JMJ da América Central? Porque se desenrolou no Panamá, quando desde a Polónia se falou que era centro-americana. Pelo caminho não terá ficado pendente uma missão na Nicarágua?
Papa Francisco:
A minha missão numa Jornada da Juventude é a missão de Pedro: confirmar na fé. E isto, não com indicações frias ou sentenciosas, mas deixando-me tocar o coração e respondendo ao que acontece lá. Eu não concebo – porque a vivo desta maneira – eu não concebo, tenho dificuldade a imaginar como alguém possa cumprir uma missão apenas com a cabeça. Para cumprir uma missão, é preciso senti-la e, quando a sentis, toca-te. Toca-te a vida, tocam-te os problemas... No aeroporto, quando me despedia do Presidente, trouxeram um menino africano, simpático, negro, negro, pequenino assim. E disseram-me: «Olhe! Este menino estava a atravessar a fronteira da Colômbia, a mãe morreu, ficou sozinho. Teria cinco anos. Vem da África, mas ainda não sabemos de qual país, porque não fala inglês, nem português, nem francês. Fala só a língua da sua tribo. De algum modo adotamo-lo nós». Um menino com ar ladino, movia-se bem... Todavia o drama dum menino abandonado pela vida, porque a sua mãe morreu e um polícia o entregou às autoridades para tomarem conta dele… isto toca-te e, assim, a missão começa a tomar forma, leva-te a dizer algo, a dar-lhe carinho. Não é uma coisa pensada. A missão sempre te envolve; pelo menos a mim, envolve-me, talvez porque sou «italiano»… Vem-me de dentro e envolve-me. Sempre digo aos jovens: aquilo que fazeis na vida deveis fazê-lo caminhando e com as três linguagens: a da cabeça, a do coração, a das mãos. E as três linguagens harmonizadas, de modo que penseis o que sentis e o que fazeis, sintais o que pensais e o que fazeis, façais o que sentis e o que pensais. Não sei fazer um balanço da missão. Eu, com tudo isto, sempre vou à oração e permaneço diante do Senhor, às vezes adormeço diante do Senhor, mas levando todas estas coisas que vivi na missão e peço-Lhe que confirme na fé, através de mim. É assim que entendo a missão do Papa, e como a vivo eu. Houve casos, por exemplo, em que me foram colocadas dificuldades de tipo dogmático, mas não gosto de responder apenas com a razão, espontaneamente vem-me outro modo de agir.
Edwin Cabrera Uribe:
Em geral, a JMJ do Panamá correspondeu às suas expetativas?
Papa Francisco:
É evidente! O termómetro, para ver se uma viagem correspondeu às expetativas, é o cansaço, e eu estou arrasado…
Edwin Cabrera Uribe:
Por fim, Santo Padre, um problema comum em toda a América Central, incluindo o Panamá e boa parte da América Latina: as gravidezes de adolescentes, de jovens; as gravidezes precoces. No ano passado, foram dez mil só no Panamá e, na América Central, não foi diferente. Os detratores da Igreja Católica culpam a Igreja porque se opõe à educação sexual nas escolas. A Igreja Católica tem muitas escolas e universidades na América Latina. Gostaria de saber a opinião do Papa Francisco sobre a educação sexual.
Papa Francisco:
Penso que, nas escolas, é preciso dar educação sexual. O sexo é um dom de Deus, não é um monstro; é o dom de Deus para amar. Questão diferente é que alguém o use para ganhar dinheiro, para explorar os outros… É preciso oferecer uma educação sexual objetiva: assim como é, sem colonizações ideológicas. Porque se, nas escolas, se dá uma educação sexual imbuída de colonizações ideológicas, destrói-se a pessoa. O sexo como dom de Deus precisa de ser educado, não com rigidez: o termo «educar» deriva de e-ducere, ou seja, extrair da pessoa o melhor e acompanhá-la no caminho. O problema está nos responsáveis pela educação, a nível nacional, regional, em cada unidade escolar: que professores escolhem para isso? Que manuais? Já os vi de todas as cores. Há coisas que fazem amadurecer e outras que causam dano. Não sei se é objetiva ou não a afirmação de que não há educação sexual no Panamá… Sem entrar no problema político do Panamá, digo que é preciso haver educação sexual para as crianças. O ideal é que se comece em casa, com os pais. Nem sempre é possível, devido a muitas situações familiares, ou porque não sabem como a fazer. A escola supre isto e deve fazê-lo; caso contrário, fica um vazio que acaba preenchido por qualquer ideologia.
Gisotti:
Santo Padre, agora a pergunta é feita por Javier Brocal, de Romereports:
Javier Martínez-Brocal:
Santo Padre, começo por lhe dar uma boa notícia: bateu o recorde, porque em quatro dias fez-se panamense; bastaram quatro dias para conquistar o coração do Panamá. Agora, a pergunta que lhe queria fazer: nestes dias, Vossa Santidade falou com muitas pessoas, com muitos jovens; certamente terá falado também com jovens que se afastam a Igreja ou sentem dificuldade em permanecer nela. Na sua opinião, qual é esta dificuldade que sentem os jovens? Quais são os motivos que os afastam da Igreja? Obrigado.
Papa Francisco:
São muitos. Alguns são pessoais, mas o mais geral – penso que o primeiro – é a falta de testemunho dos cristãos, dos padres, dos bispos. Não digo dos Papas… seria demais [riem], mas acontece também. A falta de testemunho. Se um pastor se comporta como o empresário ou o organizador dum plano pastoral, se um pastor não está próximo do povo, este pastor não dá o testemunho de pastor; o pastor deve estar com as pessoas: pastor e rebanho – digamo-lo nestes termos. O pastor deve estar à frente do rebanho para indicar o caminho; no meio do rebanho para «odorar» as labutas das pessoas e compreender o que elas sentem, de que precisam, como sentem; e atrás do rebanho para guardar a retaguarda. Mas, se o pastor não vive com paixão, as pessoas sentem-se abandonadas ou provam uma certa sensação de desprezo, sentem-se órfãs e, onde há orfandade... Destaquei os pastores, mas também os cristãos, os católicos hipócritas, que vão à Missa todos os domingos mas, depois, não pagam aos operários o décimo terceiro mês, não pagam os direitos, exploram as pessoas e, em seguida, vão para as Caraíbas, e não só al papers [para negócios], mas para fazer férias, com a exploração das pessoas... «Oh não! Eu sou católico, vou todos os domingos à Missa…» Mas, se fazes isso, dás um contratestemunho e isto é, na minha opinião, o que mais afasta as pessoas da Igreja. Mesmo os leigos, todos... Assim, não digas que és católico se não deres testemunho. Diz: Sou de educação católica, mas sou tíbio, sou mundano… Peço desculpa! Não olheis para mim como modelo. É isto que se deve dizer. Eu tenho medo dos católicos que se julgam perfeitos. Mas isto não é novo na história: sucedia o mesmo, no tempo de Jesus, com os doutores da lei: «Eu te agradeço, Senhor, porque não sou como aquele pobre pecador». Está mal! Esta é a falta de testemunho. Há outros motivos; às vezes, dificuldades pessoais… Mas isto é o mais geral.
Gisotti:
Santo Padre, agora a pergunta é feita por Caroline Pigozzi, di «Paris Match».
Papa Francisco:
Quero, antes de mais nada, agradecer-te. Encontrei o Padre Benoist de Sinety (concelebrou comigo; é um bom homem…) e também os duzentos jovens de Paris.
Caroline Pigozzi:
Ficou muito feliz; e existe outra carta para Vossa Santidade, mas só lha darei na próxima semana, porque ainda deve escrevê-la…
Papa Francisco:
Muito bem. Obrigado por me teres dado aquele livro [Benoist de Sinety, Il faut que des voix s’élèvent. Accueil des migrants, un appel au courage, Paris 2018).
Caroline Pigozzi:
Entretanto, Santo Padre, durante quatro dias vimos todos estes jovens rezar com grande intensidade. Pode-se imaginar que alguns, dentre todos estes jovens, queiram entrar na vida religiosa; pode-se pensar também que um certo número tenha a vocação. Talvez alguém esteja hesitando ao pensar que, sem se poder casar, é um caminho difícil. É possível pensar que na Igreja Católica, seguindo o rito oriental, Vossa Santidade permitirá a homens casados tornarem-se padres?
Papa Francisco:
Na Igreja Católica, no rito oriental, podem fazê-lo; e faz-se a opção – celibatário ou casado – antes do diaconado.
Caroline Pigozzi:
Mas agora, com a Igreja Católica do rito latino, pode-se pensar que Vossa Santidade abrirá a idêntica decisão?
Papa Francisco:
De rito latino... Vem-me à mente aquela frase de São Paulo VI: «Prefiro dar a vida antes que mudar a lei do celibato». Veio-me à mente e quero dizê-la, porque é uma frase corajosa, num momento mais difícil do que o atual (nos anos ‘68/’70). Pessoalmente, penso que o celibato é uma dádiva para a Igreja. Em segundo lugar, não estou de acordo com permitir o celibato opcional. Haveria qualquer possibilidade apenas nos lugares mais remotos; penso nas ilhas do Pacífico... Haveria necessidade pastoral, e o pastor deve pensar nos fiéis. Há um livro do Padre Lobinger [o Bispo Fritz Lobinger, Preti per domani (Emi, 2009)] que é interessante. Está-se ao nível de discussão entre os teólogos; não há decisão minha. A minha decisão é: celibato opcional antes do diaconado, não. É uma coisa minha, pessoal… Eu não o farei: isto fique claro. Sou «fechado»? Talvez. Mas não me sinto, diante de Deus, de tomar tal decisão. Voltando ao Padre Lobinger, disse ele: «A Igreja faz a Eucaristia e, a Eucaristia, fá-la a Igreja». Mas onde não há Eucaristia nas comunidades – imagine, Caroline – nas ilhas do Pacífico…
Carolina Pigozzi:
…na Amazónia, também...
Papa Francisco:
... talvez lá... em tantos lugares... Diz Lobinger: Quem faz a Eucaristia? Naquelas comunidades, os «dirigentes», digamos, os organizadores daquelas comunidades são, diretamente, diáconos, irmãs ou leigos. E Lobinger diz: pode-se ordenar um ancião, casado. É a tese dele: pode-se ordenar um ancião casado, mas para exercer apenas o munus sanctificandi, isto é, celebrar a Missa, administrar o sacramento da Reconciliação e dar a Unção dos Enfermos. A ordenação sacerdotal confere três munera: regendi (governar, o pastor), docendi (ensinar) e sanctificandi. Isto recebe-se com a ordenação. O bispo daria apenas as faculdades para o munus sanctificandi: esta é a tese. O livro é interessante. Talvez isso possa ajudar a pensar no problema. Acho que o problema deve ser perspetivado neste sentido: onde houver um problema pastoral, devido à falta de sacerdotes. Não digo que se deve fazer, porque não refleti, não rezei suficientemente sobre isso. Mas os teólogos devem estudar. Um exemplo é o Padre Lobinger, que era um fidei donum, na África do Sul... É já idoso. Dou este exemplo para indicar os pontos onde isso deve ser feito. Falava com um oficial da Secretaria de Estado, um bispo, que teve de trabalhar num país comunista no início da revolução; quando viram como se encaminhava aquela revolução – na década de ’50, mais ou menos –, os bispos ordenaram secretamente camponeses, bons, religiosos. Passada a crise, trinta anos depois, o caso foi resolvido. E ele referia-me a emoção por ele sentida quando, numa concelebração, vira estes camponeses, com as mãos de camponeses, vestir a alba para concelebrar com os bispos. Isto aconteceu na história da Igreja. É um assunto que é preciso estudar, repensar e rezar.
Caroline Pigozzi:
…há aqueles protestantes, que se tornaram católicos.
Papa Francisco:
Sim, a senhora alude àquilo que fizera o Papa Bento. É verdade; tinha-me esquecido disso: «Anglicanorum coetibus», os sacerdotes anglicanos que se tornaram católicos e mantêm a vida [conjugal], como se fossem orientais. Lembro-me duma audiência de quarta-feira em que vi muitos de clergyman [cabeção] tendo as mulheres com eles e os filhos levados pela mão dos padres... E explicaram-me a situação. É verdade! Obrigado por mo ter lembrado.
Gisotti:
Agora faz a pergunta Lena Klimkeit, da Dpa.
Lena Klimkeit:
Santo Padre, durante a Via Sacra, na sexta-feira, um jovem proferiu palavras muito fortes sobre o aborto; quero repetir um bocado: «Há um túmulo que brada ao céu e denuncia a terrível crueldade da humanidade, é o túmulo que se abre no ventre das mães, donde se arranca uma vida inocente. Que Deus nos conceda humanizar-nos de verdade, defender com firmeza a vida e fazer com que as leis que matam a vida inocente sejam canceladas para sempre». A meu ver, esta é uma posição muito radical. Pergunto-me, e gostaria de lhe perguntar, se esta posição também respeita o sofrimento das mulheres nesta situação e se corresponde à sua mensagem da misericórdia.
Papa Francisco:
A mensagem da misericórdia é para todos, mesmo para a pessoa humana que está em gestação. É para todos. Depois de cair tal fracasso, ainda há misericórdia, mas uma misericórdia difícil, porque o problema não está em dar o perdão, o problema está em acompanhar uma mulher que tomou consciência de ter abortado. São dramas terríveis. Uma vez ouvi um médico referir uma teoria segundo a qual – não me lembro bem – uma célula do feto acabado de conceber comunica com a medula da mãe e disso existe memória mesmo física. É uma teoria, mas para dizer: uma mulher, quando pensa no que fez... Digo-te a verdade: é preciso estar no confessionário e lá não devo punir nada, mas dar consolação. Por isso, abri a faculdade de absolver [do pecado de] o aborto por misericórdia, porque muitas vezes – antes, sempre – devem encontrar-se com seu filho. E com frequência, vendo-as chorar e carregar esta angústia, aconselho: «O teu filho está no céu, fala com ele, canta-lhe a canção de embalar que não cantaste, que não pudeste cantar-lhe». E nisto encontra-se uma via de reconciliação da mãe com o filho. Com Deus, já existe: é o perdão de Deus. Deus perdoa sempre. Mas a misericórdia passa também por ela [a mulher] elaborar isto. O drama do aborto. Para o compreender bem, é preciso estar num confessionário. É terrível.
Gisotti:
Obrigado, Santo Padre. A próxima pergunta é de Valentina Alazraki, de Televisa. Se bem me lembro, está quase na 150ª viagem apostólica…
Valentina Alazraki:
O Papa Francisco disse nestes dias, aqui no Panamá, que permanecia muito próximo da Venezuela, que se sentia muito próximo dos venezuelanos e hoje pediu uma solução justa, pacífica, no respeito pelos direitos humanos de todos. Os venezuelanos gostariam de entender um pouco melhor o que isto significa; aguardam pela sua palavra. Querem saber se esta solução passa pelo reconhecimento de Juan Guaidó, que tem sido apoiado por muitos países, outros pedem eleições a curto prazo, eleições livres para que o povo possa votar. Sabem que Vossa Santidade é um Papa latino-americano e querem sentir o seu apoio, a sua ajuda e o seu conselho. Obrigado!
Papa Francisco:
Eu, neste momento, apoio todo o povo venezuelano, porque é um povo que está a sofrer. Aqueles que estão dum lado e os que estão do outro, porque é todo o povo que sofre. Se eu começasse a dizer «escutai estes países, ouvi aqueles que dizem isto e isto», colocar-me-ia num papel que não conheço, seria uma imprudência pastoral da minha parte e causaria danos. As palavras [pronunciadas hoje], pensei-as e repensei-as. E creio que, com elas, expressei a minha proximidade, aquilo que sinto. Sofro pelo que está a acontecer na Venezuela neste momento e, por isso, pedi que se metam de acordo..., uma solução justa e pacífica. O que me assusta é o derramamento de sangue. E peço também ampla ajuda por parte daqueles que podem ajudar a resolver o problema. O problema da violência aterroriza-me... Depois de todos os esforços feitos na Colômbia, pensai no que aconteceu na Escola de Cadetes no outro dia: uma coisa terrificante. O sangue não é solução. Por isso devo ser… (não gosto da palavra «equilibrado»), devo ser pastor, de todos. E se houver necessidade de ajuda, de comum acordo, peçam-na. Esta é a estrada. Obrigado.
Gisotti:
Obrigado, Santo Padre! É a vez de de Junno Arocho Esteves, di Catholic News Service.
Junno Arocho Esteves:
Boa noite, Santidade. Durante o seu almoço com um grupo de jovens peregrinos, uma jovem americana – contou-nos ela – interpelou-o sobre a dor e o desdém de tantos católicos, particularmente nos Estados Unidos, pela crise dos abusos. Muitos católicos americanos rezam pela Igreja, mas muitos sentem-se traídos, abatidos, depois das recentes notícias de abusos e encobrimento por parte de alguns bispos, e perderam a confiança neles. Santidade, quais são as suas expetativas ou esperanças postas no encontro de fevereiro, para que a Igreja possa começar a reconstruir a confiança entre os fiéis e os seus bispos?
Papa Francisco:
Foi esperto… começou pela viagem e acabou lá. Parabéns! Obrigado pela pergunta. A ideia do encontro nasceu no C9 [o Conselho dos Cardeais], porque víamos que alguns bispos não compreendiam bem, ou não sabiam o que fazer, ou faziam uma coisa bem e outra errada. E sentimos a responsabilidade de proporcionar uma «catequese» sobre este problema às conferências episcopais; daí chamarem-se os presidentes [para o encontro de fevereiro próximo]. Uma catequese, primeiro, para que se tome consciência do drama: que significa um menino abusado, uma menina abusada. Eu recebo regularmente pessoas abusadas. Lembro-me de um: quarenta anos sem conseguir rezar. É terrível, o sofrimento, é terrível. Então, primeiro: que tomem consciência disso. Segundo: que saibam o que se deve fazer, o procedimento. Porque às vezes o bispo não sabe que fazer, porque é algo que cresceu muitíssimo, e [o conhecimento do que fazer] não chegou, por assim dizer, a todos os lugares. E depois, façam-se programas gerais, mas que sirvam e cheguem a todas as conferências episcopais: que deve fazer o bispo, que deve fazer o arcebispo que é o metropolita, que deve fazer o presidente da conferência episcopal. Mas que seja claro; queremos – digamo-lo em termos um pouco jurídicos – protocolos que sejam claros. Este é o ponto principal. Mas, antes daquilo que se deve fazer, vem o que eu disse primeiro: tomar consciência. Depois [no encontro de fevereiro] rezar-se-á, haverá algum testemunho para ajudar a tomar consciência e ainda alguma liturgia penitencial para pedir perdão por toda a Igreja. Estão a trabalhar bem na preparação disso. Permiti que vos diga ter-me dado conta que existem expetativas um pouco enfatuadas; é preciso esvaziar as expetativas, [reduzindo-as] a estes pontos que acabo de dizer. Porque o problema dos abusos continuará; é um problema humano, mas humano por todo o lado! No outro dia, li uma estatística, uma daquelas estatísticas que dizem: 50% é denunciado; destes 50, 20% é ouvido… e vai diminuindo para terminar desta forma: 5% é condenado. É terrível, é terrível! É um drama humano de que devemos tomar consciência. E nós, resolvendo o problema na Igreja, tomando consciência, ajudaremos a resolvê-lo também na sociedade, nas famílias, onde a vergonha faz encobrir tudo. Mas, primeiro, devemos tomar consciência, ter os protocolos corretos e continuar para diante. Disto se trata. E... parabéns pela questão.
Gisotti:
Não sei se há espaço para outra pergunta... Talvez brevemente: Manuela Tulli, da Ansa. Se possível, seja rápida, porque – na verdade – estão para servir o jantar. Obrigado, Manuela.
Manuela Tulli:
Boa noite, Santo Padre. Durante esta JMJ, Vossa Santidade disse que é absurdo e irresponsável considerar os migrantes como os portadores do mal social. Na Itália, as novas políticas sobre os migrantes levaram ao encerramento do CARA de Castelnuovo di Porto, que o Santo Padre conhece bem. Era uma experiência onde se viam sementes de integração, as crianças iam à escola e agora aquelas pessoas correm o risco dum desenraizamento. Vossa Santidade decidiu celebrar com eles precisamente a Quinta-feira Santa de 2016. Gostaria de lhe perguntar o que sente a propósito desta decisão de encerrar o CARA em Castelnuovo di Porto, onde o Santo Padre esteve a celebrar na Quinta-feira Santa de 2016. E agora o risco é a dissolução daquela experiência, com as crianças que…
Papa Francisco:
Sim, ouvi falar do que estava a acontecer na Itália, mas encontrava-me mergulhado nesta [viagem]. Por isso, não sei precisamente como estão as coisas, mas imagino... É verdade que o problema dos migrantes é muito complexo, muito complexo. É um problema que requer memória, ou seja, interrogar-me se a minha pátria foi feita pelos migrantes. Nós, argentinos: todos migrantes. Os Estados Unidos: todos migrantes. Esta memória. Um bispo, um cardeal – não me lembro qual – escreveu um belo artigo sobre um problema de «falta de memória» (assim se intitulava). Este é um ponto do problema. Depois, as palavras que vou propondo: receber (o coração aberto para receber), acompanhar, fazer crescer e integrar. E digo também: o governante deve usar de prudência, porque esta é a virtude do governante. Isto mesmo o afirmei aqui; no último voo, disse estas palavras. Sim, é uma equação difícil. Vem-me à mente o exemplo da Suécia que, nos anos ‘70, com as ditaduras – a Operação Condor, na América Latina – recebeu tantos migrantes, muitos, muitos, mas… todos integrados. Vejo também o que faz, por exemplo, Santo Egídio: integra imediatamente. Mas, no ano passado, os suecos disseram: «Esperai um pouco, porque não podemos concluir o percurso [da integração]». Esta é a prudência do governante. É uma questão de caridade, amor, solidariedade… E repito que as nações mais generosas nisto – no receber; quanto aos outros aspetos, não conseguiram fazer tanto – foram a Itália e a Grécia; um pouco também a Turquia. Mas a Grécia foi muito generosa; e a Itália, muito. E, quando fui a Lampedusa, estava no início, era o ano de 2013. Mas é verdade que se deve pensar de forma realista. Há ainda outra coisa que é importante considerar: uma forma de resolver o problema das migrações é ajudar os países donde vêm. Os migrantes vêm por causa da fome ou da guerra. Investir onde há fome, a Europa é capaz de o fazer para ajudar a crescer. Mas – falando da África – permanece no imaginário coletivo algo que temos no inconsciente: a África é para ser explorada. Isto é histórico e… dói. Os migrantes do Médio Oriente encontraram outras vias de saída; o Líbano é uma maravilha de generosidade: tem mais de um milhão de sírios. E o mesmo se diga da Jordânia: mostram-se abertos e fazem o que podem, esperando reintegrar. A Turquia também recebeu alguns. E nós, na Itália, recebemos alguns. Mas é um problema complexo, do qual se deve falar sem preconceitos, tendo em conta todas estas coisas que me vieram à mente.
Gisotti:
Obrigado, Santo Padre! Então, bom jantar, boa viagem! E, dentro duma semana, vemo-nos de novo para outra viagem muito importante [aos Emirados Árabes Unidos].
Papa Francisco:
Agradeço-vos imenso pelo vosso trabalho. Gostaria ainda de dizer uma coisa sobre o Panamá: provei um sentimento novo. Eu conheço a América Latina, mas o Panamá não. E veio-me esta frase: o Panamá é uma nação «nobre». Encontrei nobreza: era isto que vos queria dizer. Outra coisa, que já referi quando voltei da Colômbia, ao falar da experiência de Cartagena e outras cidades (algo que, na Europa, não vemos): Qual é o motivo de orgulho, neste caso, dos panamenses? Levantam-te os filhos, como quem diz: «Esta é a minha vitória, este é o meu futuro, este é o meu orgulho!». No inverno demográfico que estamos a viver na Europa – na Itália, abaixo de zero –, isto deve fazer-nos pensar: Qual é o meu motivo de orgulho? O turismo, a vivenda, o cão, ou levantar um filho? Obrigado! Rezai por mim; preciso disso. Obrigado!
Gisotti:
Obrigado, Santo Padre!
Copyright © Dicastero per la Comunicazione - Libreria Editrice Vaticana