Ao aproximar-se o Dia Missionário Mundial desejo, como todos os anos, dirigir a todos vós a minha mensagem pessoal, que sirva para uma comum reflexão sobre a dimensão missionária, que pertence à essência mesma da Igreja, Corpo Místico de Cristo e Povo de Deus, e também sobre o consequente esforço, que a todos nos responsabiliza, a fim de o Evangelho de Jesus ser anunciado e acolhido em todo o mundo.
Este ano a minha mensagem inspira-se num acontecimento particularmente significativo: o 25º aniversário da EncíclicaFidei donum, do meuPredecessor Pio XII(cf.AAS 49, 1957, 225-248). Iniciava-se com ela, no campo da pastoral missionária, uma importante transformação que depois recebeu do Concilio Vaticano II as directrizes, mediante as quais a Igreja, consciente da própria intrínseca natureza e missão e sempre orientada para o estudo dos sinais dos tempos, continua hoje o seu caminho no propósito de servir o homem e de o conduzir à salvação revelando-lhe "a insondável riqueza de Cristo" (Ef3, 8).
Tal importante Documento, embora concentrando a sua especifica atenção sobre a África, continha claras directrizes, válidas para a actividade missionária da Igreja em todos os Continentes da terra, e o seu original contributo confluiu, como é sabido, especialmente para o Decreto ConciliarAd Gentese, ainda mais recentemente, para as "Normas directivas"Postquam Apostolida Sagrada Congregação para o Clero (cf. AAS 72, 1980, 343-364).
I - Os Bispos, responsáveisda evangelização do mundo
A EncíclicaFidei donumacima de tudo recordava solenemente o princípio da co-responsabilidade dos Bispos na evangelização do mundo, em virtude de eles pertencerem ao Colégio Episcopal.
A eles, de facto, como sucessores dos Apóstolos, Cristo confiou e confia, antes que a qualquer outro, o mandato comum de proclamar e difundir a Boa Nova até às extremidades da terra. Eles, portanto, embora sejam pastores de uma determinada porção do rebanho, são e devem sentir-se de modo solidário, em união com o Vigário de Cristo, responsáveis do caminho e do dever missionário da Igreja inteira; mostrar-se-ão, portanto, principalmente solícitos por "aquelas regiões da terra onde a Palavra de Deus não foi ainda anunciada e por aquelas em que, devido ao reduzido número de sacerdotes, os fiéis estão em perigo de abandonar os preceitos da vida cristã, e até de perder a própria fé" (Decr.Christus Dominus, 6).
Este princípio basilar, fortemente aprofundado e desenvolvido pelo Concílio (cf.Lumen Gentium, 23-24;Ad Gentes, 38), desejo hoje salientar uma vez mais, tanto para dar realce à sua actualidade, como para exortar todos os meus Venerados Irmãos no Episcopado a tomarem cada vez mais consciência desta sua altíssima responsabilidade, recordando-lhes que "foram consagrados não só para uma diocese, mas para a salvação de todo o mundo" (Ad Gentes, 38).
Tal princípio tornar-se-á ainda mais claro tendo presentes as mútuas e estreitas relações entre as Igrejas particulares e a Igreja universal. Se, de facto, em cada Igreja particular que tem no seu Bispo o centro e o fundamento, "está presente e operante a Igreja una, santa, católica e apostólica de Cristo" (Christus Dominus, 11), disto se conclui que ela, no seu ambiente concreto, deve promover toda a actividade que é comum à Igreja universal (cf.Postquam Apostoli, 13-14: l.c., pp. 352-354).
Cada diocese, por isso, é chamada a tomar sempre mais consciência desta dimensão universal, isto é, a descobrir de novo ou renovar a própria natureza missionária, expandindo "o âmbito da caridade até às extremidades da terra, e tendo pelos que estão longe igual solicitude que pelos seus próprios membros" (Ad Gentes, 37).
Cada Bispo, por conseguinte, como chefe e guia da Igreja local, deverá empenhar neste sentido as suas energias, isto é, deverá esforçar-se o mais possível por imprimir vigoroso impulso missionário na sua diocese; a ele em primeiro lugar compete criar nos fiéis uma mentalidade católica no sentido pleno da palavra, aberta às necessidades da Igreja universal, sensibilizando o Povo de Deus no imprescindível dever de cooperação nas suas várias formas; promover as oportunas iniciativas de apoio e de ajuda espiritual e material às missões, revigorando as estruturas já existentes ou estabelecendo novas; favorecer de modo muito especial as vocações sacerdotais e religiosas, ajudando ao mesmo tempo os sacerdotes a adquirirem consciência da dimensão tipicamente apostólica do ministério sacerdotal (cf.Ad Gentes, 38).
II - A falta de apóstolos: primordial urgência da missão
Forma concreta de cooperação, a que os Bispos poderão recorrer para realizar esta sua co-responsabilidade na obra de evangelização, é o envio de sacerdotes diocesanos para a missão, pois uma das urgências mais vivas de muitas Igrejas é hoje precisamente a preocupante falta de apóstolos e de servidores do Evangelho.
Éesta a grande novidade, a que aFidei donumligou o seu nome. Uma novidade que fez superar a dimensão territorial do serviço presbiteral, para o destinar a toda a Igreja, como sublinha o Concílio: "O dom espiritual que os sacerdotes receberam na sua ordenação não os prepara para uma restrita e determinada missão, mas para a amplíssima e universal missão de salvação 'até os confins da terra' (Act1,8). Com efeito, todo o ministério sacerdotal participa da própria amplitude universal da missão confiada por Cristo aos Apóstolos" (Presbyterorum Ordinis, 10).
Dado que um dos mais graves obstáculos para a difusão da mensagem de Cristo é precisamente a falta de "trabalhadores da vinha do Senhor", desejaria aproveitar esta ocasião para exortar todos os Bispos, no seu trabalho de auxílio e promoção das obras de evangelização, a enviarem generosamente os próprios sacerdotes para aquelas regiões que têm urgente necessidade, mesmo que as suas dioceses não disponham de clero em abundância. "Não se pretende — recordava Pio XII ao citar São Paulo — que os outros tenham alivio e fiqueis vós em apuros, mas que haja igualdade (2 Cor8, 13). As dioceses que sofrem a escassez de clero não recusem ouvir as suplicantes instâncias provenientes das missões que pedem ajuda. O óbolo da viúva, segundo a palavra do Senhor, seja o exemplo a ser seguido: se uma diocese pobre socorre uma outra pobre, não ficará por isso empobrecida, pois não se pode nunca vencer o Senhor em generosidade" (Fidei donum: l.c., p. 244; cf. tambémPostquam Apostoli, n. 10: l.c., p. 350).
Mas, além dos sacerdotes, aFidei donumchamava directamente em causa também os leigos, cujo serviço missionário ao lado dos sacerdotes e religiosos se apresenta hoje mais do que nunca precioso e indispensável (cf.Ad Gentes, 41). Isto criou os pressupostos para a experiência daquele típico fenómeno do nosso tempo que desejo vivamente recomendar, como éo voluntariado cristão internacional(cf.Discurso à Federação dos Organismos Cristãos de Serviço Internacional Voluntário, 31 de Janeiro de 1981:Insegnamenti di Giovanni Paolo II, IV, 1, 1981, PP-196-199).
III - Desenvolvimento da consciência missionária das Igrejas locais
A introdução destas formas de cooperação, bem como o vigoroso apelo ao princípio da co-responsabilidade do Colégio Episcopal na evangelização do mundo, tiveram o indiscutível mérito de dar início à renovação missionária da Igreja para a qual serviu de base a afirmação de longo alcance feita por Pio XII, segundo a qual "a vida da Igreja no seu aspecto visível", mais que desenvolver preferivelmente a sua força — como no passado — "nos países da antiga Europa de onde se expandia... para aquela que se podia chamar a periferia do mundo", configura-se agora, nos dias de hoje, como "intercâmbio de vida e de energia entre todos os membros do Corpo Místico" (Fidei donum: l.c., p. 235).
Adquiriu-se, acima de tudo, sempre de modo mais profundo a ideia base, depois amplamente desenvolvida e afirmada pelo Concílio, do imprescindível dever para cada uma das Igrejas locais de se empenhar directamente, segundo as próprias possibilidades, na obra de evangelização; e determinou-se, por conseguinte, um inegável aprofundamento da consciência missionária das Igrejas particulares, tendo estas sido solicitadas a superar a mentalidade e a prática de "delegação", que em grande parte caracterizara a atitude delas para com o dever missionário. !
Assim, foi verificado quanto a estas Igrejas um decisivo impulso a tornarem-se sempre maissujeitos primeiros de missionariedade(cf.Ad Gentes, 20),sentindo a actividade missionária como sua(cf.ibid., 36-37), como pude pessoalmente constatar nas minhas viagens na África, América Latina e Ásia.
O realce, além disso, dado a este papel de "sujeito de missionariedade", estimulou as Igrejas particulares a colocarem-se, em relação às Igrejas irmãs espalhadas no mundo, naquela "comunhão-cooperação" que é "tão necessária para prosseguir a obra de evangelização" (Ibid., 38), e constitui uma das -realidades mais actuais da missão, num intercâmbio de valores e experiências, que permite a cada uma das Igrejas beneficiar dos dons, que o Espírito do Senhor vai semeando por toda a parte (cf.ibid., 20).
Nada de se fechar em si mesmo, portanto, por parte das Igrejas particulares, nenhum isolacionismo ou recuo egoísta no âmbito exclusivo e limitado dos próprios problemas; pois, de outro modo, o impulso vital perderia o seu vigor levando inevitavelmente a um pernicioso empobrecimento de toda a vida espiritual (cf.Evangelii nuntiandi, 64;Postquam Apostoli, 14: l.c., p. 353).
IV - A cooperação missionária, recíproco intercâmbio de energias e experiências
Eis, então, que se delineia o novo conceito de cooperação, não entendido já "em sentido único", como ajuda às Igrejas mais jovens fornecidas pelas Igrejas de antiga fundação, mas antes como recíproco e fecundo intercâmbio de energias e de bens, no âmbito de uma fraterna comunhão de Igrejas irmãs, superando o dualismo "Igrejas ricas "-"Igrejas pobres", como se existissem duas categorias distintas: Igrejas que "dão" e Igrejas que somente "recebem". Na realidade existe uma verdadeira reciprocidade enquanto a pobreza de uma Igreja, que recebe auxílio, torna mais rica a Igreja, que se priva ao dar.
A missão torna-se deste modo não apenas generoso auxílio de Igrejas "ricas" a Igrejas "pobres",mas a graça para cada uma dessas Igrejas, meio de renovação, lei fundamental de vida(cf.Ad Gentes, 37;Postquam Apostoli, 14-15; l.c., pp. 353 s.).
Todavia ó preciso salientar que o apelo, dirigido às Igrejas particulares para o envio de sacerdotes e de leigos, não quis significar uma superação das formas e forças tradicionais de cooperação missionária, que continuam a levar o peso maior da evangelização. Foi uma novidade, que não se colocou em substituição ou alternativa, mas em complementariedade, como riqueza nova, suscitada pelo Espírito, ao lado das forças tradicionais.
Após vinte e cinco anos destas experiências, que alcançaram notável consistência e solidez, começam todavia a verificar-se alguns sinais de cansaço, devidos por uma parte à diminuição das vocações e por outra à urgência de enfrentar a crise em que se debatem muitas comunidades cristãs de antiga tradição. Perante o fenómeno da descristianização, pode surgir a tentação de se debruçarem sobre si mesmas, de se fecharem nos próprios problemas, de exaurirem o entusiasmo missionário no próprio âmbito.
Énecessário por isso um vigorosoimpulso missionário, arraigado na inspiração mais profunda que provém à Igreja directamente do divino Mestre (cf.Evangelii nuntiandi, 50), sugerido por confiante esperança e sustentado pelo comum empenho das Igrejas particulares e de todos os cristãos.
V - Função prioritária das Pontifícias Obras Missionárias
Na programação deste vigoroso impulso missionário, indispensável factor para a vida mesma e o crescimento da Igrejas locais e de toda a Igreja, desejo enfim recomendar o recurso àquele insubstituível instrumento da cooperação missionária tão vivamente lembrado pelos meus Predecessores, constituído pelasPontifícias Obras Missionárias, às quais sempre e por toda a parte, como declara oAd Gentes(n. 38), deve "ser reservado o primeiro lugar" e que mais do que nunca é oportuno sejam revigoradas e desenvolvidas em todas as dioceses.
O Dia Missionário Mundial faz-nos recordar, de modo especial, aPontifícia Obra da Propagação da Fé, à qual se deve o mérito de ter proposto ao Papa Pio XI, em 1926, a feliz iniciativa de estabelecer o Dia anual em favor da actividade missionária da Igreja, e que tem o encargo de promover e organizar este .mesmo Dia, com a cooperação das outras Obras Pontifícias e sob a direcção dos respectivos Bispos.
Seja também dado o devido impulso àUnião Missionária do Clerocujo encargo específico é animar e sensibilizar para as urgências do problema missionário — através da rede capilar dos sacerdotes, dos religiosos e das religiosas — todas as camadas do Povo de Deus.
Do justo desenvolvimento desta Associação dependerá em boa parte o grau de "missionariedade" da inteira Igreja local e, de modo especial, a sensibilidade missionária dos sacerdotes, aos quais a União em primeiro lugar se dirige; como também estes serão naturalmente estimulados — muna sempre mais viva e profunda tomada de consciência da apostolicidade intrínseca ao seu sacerdócio — a transpor, não apenas espiritual mas também materialmente, as extremidades da própria diocese, para prestar o seu serviço até nas Igrejas mais distantes da terra, de onde mais fortes se elevam os pedidos de ajuda.
Ao concluir esta mensagem, desejo exprimir todo o meu reconhecimento a quantos — Bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos — muitas vezes à custa de incalculáveis fadigas e sacrifícios, despendem as suas melhores energias, a própria vida, nas "linhas de frente", e igualmente "na retaguarda", para difundir o anúncio de salvação até às extremidades do mundo, a fim de que o nome de 'Cristo Redentor' seja por todos conhecido e glorificado.
A todos vós, Venerados Irmãos e caríssimos Filhos e Filhas da Igreja, concedo de coração a minha paterna Bênção Apostólica, penhor de copiosos favores celestes e sinal da minha constante benevolência.
Do Vaticano, 30 de Maio, Solenidade do Pentecostes, do ano 1982, quarto de Pontificado.
PAPA JOÃO PAULO II
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